sexta-feira, agosto 31, 2007

 

BAP (II)




Quando vi a capa da EntreLivros [ed. 27 - Julho 2007], na Fnac-Campinas, achei que a caricatura era do Baptistão [post de 16/07/2007]. Mostrei a revista pro Arnaldo e, juntos, procuramos sua assinatura, no canto inferior (direito e esquerdo), mas só na primeira página encontramos o crédito da ilustração. Foi muito legal reconhecer o traço do Bap! (contei, até, pra ele)

Praga, capital tcheca, onde
Kafka nasceu, sombreada em preto-e-branco, ao fundo, ficou linda!

Encontrei, pesquisando imagens na Internet, um pouco de Praga & Kafka. Deixo aqui, além de alguns links:






Links:
http://paginas.terra.com.br/arte/ecandido/kafka.htm
http://www.espacoacademico.com.br/074/74res_ozai.htm
http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/resenha/resenha.asp?nitem=5053725
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Alerta: Se você chegou aqui, clicando no mês de agosto, sugiro que não acesse o mês de setembro, que traz músicas do Djavan (pois trava tudo!). Ao invés disso, vá no post Nana (I) e escolha, uma a uma, as músicas que lhe interessarem.

Leia mais sobre o Baptistão nos links:

Elis por Bap
BAP (III)
BAP (IV)


quarta-feira, agosto 29, 2007

 

BAP (I)



O Baptistão é um craque. Caricaturista de 1ª! Arnaldo já falou dele, em seu blog, mais de uma vez (e já usou várias de suas caricaturas pra ilustrar posts).

Adoro seus desenhos, quem quiser checar, basta acessar
aqui (demora um pouco pra carregar, mas vale a pena!).

Ele está participando do 34º Salão Internacional de Humor de Piracicaba, inaugurado na noite do último sábado (dia 25), no qual recebeu um prêmio com esta caricatura do Nando Reis:
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Sou apaixonada, porém, por um esboço do Grande Otelo, que vi, certa vez, em seu blog. A expressão do rosto, pra quem conheceu Grande Otelo, é algo impressionante. Parece retrato. E é apenas um rascunho... (tomo a liberdade de transcrever suas palavras)

01/02/2007

Outro esboço

Costumo guardar os esboços que faço, tenham eles sido finalizados ou não.
(Imaginem o tanto de papel que transborda das minhas gavetas, armários e estantes. Um dia, meus filhos ou netos vão jogar tudo isso fora, já que eu não tenho coragem.)
Já aconteceu de, anos depois, eu voltar a um antigo esboço e resolver finalizá-lo.
Na semana passada mesmo, mandei para o Salão Carioca de Humor um desenho cujo esboço ficou na minha mala durante meses.
Este aqui, do Grande Otelo, é um dos que, muito provavelmente, nunca serão transformados em arte-final.
Vou contar uma coisa. Tenho em casa um livro de caricaturas do Erthal (grande artista, do qual há muito não ouço falar).
Nesse livro há uma caricatura do Grande Otelo tão sensacional que a considerei definitiva. Não me achei capaz de fazer melhor.
Separei alguns outros esboços. Aos poucos irei colocando-os aqui.


O
Darwin dele também é demais! Ele, inclusive, mostra (passo a passo) como o fez, no post do dia 02/07/2007:


29/06/2007

Mais um Darwin


Esta caricatura saiu no Estadão de domingo.
Aproveitando que agora temos tablet no jornal (tablet, para quem não conhece, é uma caneta digital que substitui o mouse), testei uma nova forma de colorir.
Tentei reproduzir no computador mais ou menos a mesma maneira de colorir do lápis-de-cor (sabendo de antemão que não conseguiria reproduzir-lhe a textura).
Já havia feito isso num desenho do Betinho (que você encontra em algum lugar deste blog).
Mas, desta vez, trabalhei diretamente em cima do esboço.
Gostei do resultado, mas o processo é bem mais trabalhoso e demorado.
Para quem tiver curiosidade, vou mostrar na próxima postagem o passo-a-passo deste desenho.
Aproveito para sugerir uma visita ao novíssimo blog do Marcos Müller, meu amigo e colega de jornal.
Sem favor, um dos melhores ilustradores que eu conheço.


Fica, aqui, a minha homenagem ao Bap. Por todo o seu talento.


Links:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u323402.shtml
http://www.estadao.com.br/arteelazer/not_art41230,0.htm
http://humor.uol.com.br/album/piracicaba_2007_vencedores_album.jhtm?abrefoto=5
http://www.piracicaba.sp.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=5441&Itemid=26
http://blogdosquadrinhos.blog.uol.com.br/



domingo, agosto 26, 2007

 

O Texto, ou: a vida (II)


Surpreendi-me ao saber que Moacyr Scliar, como eu, havia lido, quando criança, o “Thesouro da Juventude” (minha coleção, com capa dura azul, continua guardada na estante da casa dos meus pais). Já a “Barsa”, também amplamente usada em trabalhos escolares, foi doada, há um bom tempo. Meu livros do Monteiro Lobato entreguei a uma amiga, que participava de uma gincana, em São José dos Campos (minha cidade natal). Arrependi-me, depois. Queria tê-los conservado...

De minha mãe adquiri o gosto pela leitura. Éramos pobres, não indigentes; não chegávamos a passar fome, mas tínhamos de economizar. Apesar disto nunca me faltou dinheiro para livros. Minha mãe me levava à tradicional Livraria do Globo e eu podia escolher à vontade. Desde pequeno estava lendo. De tudo, como até hoje: literatura infantil e revistas em quadrinhos, divulgação científica e romances.

Monteiro Lobato (1882-1948) era meu autor preferido. Mas eu também lia o Thesouro da juventude, uma enciclopédia infanto-juvenil em dezoito volumes e dividida em livros: O livro da Terra, O livro da natureza, O livro da nossa vida (belo títu­lo). Os textos despertavam a curiosidade dos leitores sob a forma de perguntas: De que é feito o Sol? Poderemos trans­portar-nos um dia para outro planeta? O que é o vácuo? (...)

Eu lia, lia, lia. Deitado num sofá, o livro servindo como barreira para o mundo exterior. Barreira para o mundo real, porta para o mundo imaginário que habitei durante grande parte de minha infância.

Interrompo a tarefa de escrever estas linhas, levanto-me, vou até a prateleira onde estão os meus livros infantis. Não os exemplares que devorei na infância: estes sumiram. Aos poucos, num sebo e em outro, fui refazendo parte de minha modesta biblioteca de então: Rute e Alberto, de
Cecília Meireles (1901-1964); Os nenês d'água, de Charles Kingsley (1819-1875); Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll (1832-1898); As aventuras de Tibicuera, de Erico Veríssimo (1905-1975); História de um quebra-nozes, de Alexandre Dumas (1802-1870); Robin Hood, Tarzan, livros sobre pira­tas... Apanho um volume: é a trigésima edição de Cazuza, de Viriato Correia (1884-1967), obra concluída pelo autor jus­tamente no ano em que nasci – 1937. Folheio-a com a mesma sensação que tive pela primeira vez, a de descobrir um Brasil que eu não conhecia, (...). O Brasil do professor João Câncio dizendo – numa época em que o ufanismo era a tônica: "Somos um país pobre, um povo pobre... Mas justamente porque a terra não é a mais doce, nem a mais generosa, nem a mais rica é que é maior o valor de nossa gente". Humildes livros, bravos livros.

Minha mãe me introduziu à literatura tanto pelos livros que me comprava, como pelos outros, os que ela escondia de mim. Leituras proibidas: as obras do mesmo Erico Veríssimo que eu admirava como autor de histórias infantis, e que, na provinciana Porto Alegre de então, eram consideradas moralmente reprováveis. Porque falavam em sexo, claro, ainda que o sexo desses livros fosse até inocente comparado com o que a tevê mostra hoje. Minha mãe escondia esses livros no roupeiro, fechados à chave. Era a única coisa cha­veada em nossa casa; mas eu sabia onde ficava a tal chave, e tão logo minha mãe saía, eu voava para o roupeiro e ficava lendo aquelas páginas proibidas. Foi uma dupla iniciação, ao sexo e à literatura.

Erico Veríssimo foi uma grande influência, inclusive porque morava em Porto Alegre e a gente às vezes o via na rua, caminhando junto com a esposa, Mafalda: um homem simples, sorridente. O outro escritor que conheci precoce­mente foi
Jorge Amado (1912-2001). Amigo de meu primo, o artista plástico Carlos Scliar (1920-2001), muitas vezes se hospedou na casa do meu tio Henrique, pai de Carlos, junto com Zélia Gattai (1916- ). A chegada deles era uma festa; íamos até lá, e tudo o que eu queria era não falar com Jorge Amado, pois não me atreveria a tanto (ainda que ele fosse um homem acolhedor, afetivo), mas olhá-Io, olhar o homem que escrevia livros. Em seu livro de memórias, Um chapéu para viagem (1982), Zélia lembra as visitas a Porto Alegre e conta que entre as pessoas que vinham vê-Ios na casa do tio Henrique estava um garotinho bonitinho, loirinho, que depois viria a ser o escritor Moacyr Scliar. No processo de transformar garotinhos bonitinhos e, loirinhos em escritores, a vida nos castiga um bocado.

[extraído do livro “O texto, ou: a vida - Uma trajetória literária”, de Moacyr Scliar, Bertrand Brasil, 2006, capítulo 2, pp. 36-39]

Pesquisando sobre a coleção, na Internet, encontrei este artigo, do Luís Nassif, na Folha de S.Paulo:

São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 2005

O meu "Thesouro da Juventude"
LUÍS NASSIF

Mudam os tempos, e hoje em dia se sabe, em tempo real, as transformações que ocorrem no mundo. Nos anos 20, o mundo também atravessava um processo de transformações profundas. O sistema educacional nem de longe tinha condições de acompanhar o que ocorria.

É nesse quadro que o "Thesouro da Juventude" cumpriu papel essencial na formação de gerações e gerações de brasileiros, dos anos 20 aos anos 70, não apenas trazendo novidades tecnológicas como descobertas científicas, novos hábitos, novos conceitos.

Aprendi a ler no "Thesouro da Juventude", assim mesmo, com "th", da W. M. Jackson Editores, edição de 1925, com prefácio de Clóvis Bevilacqua. Era de meu avô Issa. Contava os minutos para chegar à farmácia do meu pai, subir as escadas externas que davam no andar de cima, onde morava vovô. Corria para a estante, tirava um volume, abria no chão forrado por um cobertor e ficava de bruços devorando as páginas e as ilustrações a bico de pena.

Na "Introducção", Clóvis Bevilacqua indicava a obra para "meninos, adolescentes e homens do povo que teem sede de saber". Os editores definiam-no como uma enciclopédia popular, "um livro acerca de tudo para todos e especialmente para os jovens".

Eram 18 volumes, todos contendo uma seqüência de temas. A primeira gravura do primeiro tomo era uma pintura do Sistema Solar, com astros de todos os tamanhos e trens se lançando ao espaço para alcançá-los. De cara, éramos apresentados à nossa insignificância, passeando por todas as lições de "O Livro da Terra". Em seguida, entrava-se em "O Livro da Natureza", que tratava especificamente da vida nos animais e das plantas. Uma página colorida, finamente ilustrada, mostrava "os seres mais interessantes da Terra", dos conhecidos, águia, gaivota, gavião, leopardo, aos menos votados, sariguéa, píton, maçarico e buccinum.

Depois, pelo "Livro de Nossa Vida", destinado a desvendar a maravilha da humanidade. Havia "O Livro do Novo Mundo", que tratava desde os homens primitivos até a construção da América, e "O Livro do Velho Mundo", falando das antigas civilizações, com amplo relato sobre a China, sobre o seu isolamento que tirou-lhe a noção de progresso e de como, pouco a pouco, voltava a se abrir para o mundo.

Grandes invenções

Em um período de grandes inovações, as invenções eram tratadas no capítulo "Cousas que Devemos Saber" e as curiosidades em "O Livro dos Porquês".

Meu tema predileto eram os "Homens e Mulheres Célebres, Nobres Vidas, Nobres Feitos". Marco Polo inaugurava o primeiro tomo da coleção. Depois, abordavam-se a criação da famosa Escola de Sagres em Portugal e os navegadores portugueses.

Menos épico, mais infantil, era "O Livro dos Contos", estreando com "Sindbad o Marinheiro", e um bico de pena magnífico mostrando "A Ave Gigantesca e o Homem do Mar".

Uma parte que não me interessava muito, dada a minha invencível falta de habilidade para trabalhos manuais, era o "Cousas que Podemos Fazer", que ensinava desde como fazer uma caixa de madeira até a cortar o cordel mágico.

E aí se entrava em outro dos meus temas prediletos, "O Livro das Bellas Acções, Heroes e Heroínas do Mundo". A primeira história era "Irmãs pelo Sangue e pelo Heroísmo", narrando um capítulo familiar da resistência portuguesa contra a invasão espanhola no século 17. Depois, "O Sacrifício do Padre Damien", um belga que partiu para as Ilhas dos Mares do Sul para cuidar de leprosos.

Voltava-se para a literatura, com "O Livro da Poesia, o Bello Mundo dos Poetas", com "O Gigante Adamastor", trecho dos "Lusíadas". Depois, a "Canção do Exílio", de Gonçalves Dias, uma das paixões da minha infância. E "Manhã em Petrópolis", de um certo José Maria Amaral, que, "se não é dos maiores poetas brasileiros, ocupa um lugar muito honroso na nossa história literária". Acho que houve alguma proteção em sua inclusão.


E-mail - Luisnassif@uol.com.br

[http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1812200509.htm]


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Luis Nassif, introdutor do jornalismo de serviços e do jornalismo eletrônico no país. Comentarista econômico da TV Cultura. Vencedor do Prêmio de Melhor Jornalista de Economia da Imprensa Escrita do site Comunique-se, em 2003 e 2005, em eleição direta da categoria. Membro do Conselho do Instituto de Estudos Avançados da USP e do Conselho de Economia da FIESP. Autor de "O Jornalismo dos anos 90", e "Menino de São Benedito". Finalista do Prêmio Jabuti, de 2003, na Categoria Contos/Crônica. Em 1995 lançou o CD "Roda de Choro", solando bandolim, semi-finalista do Prêmio Sharp de Música Instrumental.

[http://luisnassifonline.blog.uol.com.br/]


terça-feira, agosto 21, 2007

 

Chanson pour Michelle



Cecília foi quem me mostrou esta música instrumental, composta por Tom Jobim e gravada por Jaques Morelenbaum (cello) & Ryuichi Sakamoto (piano) no CD MORELENBAUM2/SAKAMOTO: CASA. Linda!




domingo, agosto 19, 2007

 

20 de agosto de 1960




Conhecemo-nos através da música, num festival, onde amigos em comum participavam com uma canção, “Roda”, que acabou em 1° lugar. Isto foi em dezembro de 1980, em São Paulo. Desde então, estamos juntos – mais da metade de nossas vidas!

Temos aquela afinidade que independe das palavras (sabemos o que o outro sente, pensa, quer, gosta). Gostamos de muita coisa igual e acho isto fundamental num relacionamento.

Ele é, certamente, quem mais me conhece, mais me entende, mais me ensina, mais me completa. Alguém qu’eu sempre quis encontrar, sem ter a certeza que existisse. Nasci antes dele, mas o esperei. E pudemos nos conhecer...

Ele me conquistou pelas mãos (grandes, macias, de toque delicado) e pelo olhar. Humor visível, pontual. Inteligência aguçada. Cartas fantásticas! (namoramos, por 3 anos, à distância, enquanto estudávamos – naquela época, não havia, ainda, Internet nem e-mail!) Sensível, sensato, criativo, musical. Juntamos todos os nossos discos (LPs) e houve uma significativa interseção, doada à minha cunhada e ao meu sogro. Leitor voraz. Aumentamos, expressivamente, nossa estante de livros, durante este tempo juntos (atualmente, estão espalhados pela casa: nas salas, de estar & jantar; quartos; escritório e até banheiro!).

Amanhã,
ele completa 47 anos. Um menino... Meu eterno menino!

Gostaria de lhe dedicar inúmeras canções, mas acabei escolhendo duas: uma, com a Nana, outra, com a
Andréa [Dutra]. Já sabe quais são?

Um beijo,
Arnaldo,

e feliz aniversário!

Mudança dos ventos
(Ivan Lins & Victor Martins)
Intérprete: Nana Caymmi

Ah, vem cá, meu menino
Pinta e borda comigo
Me revista, me excita
Me deixa mais bonita

Ah, vem cá, meu menino
Do jeito que imagino
Me tira essa canseira
Me tira essas olheiras

De esperar tanto tempo
A mudança dos ventos
Pra me sentir com forças
Prá me sentir mais moça

Ah, vem cá, meu menino
Pinta e borda comigo
Me revista, me excita
Me deixa mais bonita

Ah, vem cá, meu menino
Do jeito que imagino
Me tira essa vergonha
Me mostre, me exponha

Me tire uns 20 anos
Deixa eu causar inveja
Deixa eu causar remorsos
Nos meus, nos seus, nos nossos

Ah, vem cá, meu menino

A linha e o linho
(Gilberto Gil)
Intérpretes: Andréa Dutra & Marcus Nabuco

É a sua vida que eu quero bordar na minha
Como se eu fosse o pano e você fosse a linha
E a agulha do real nas mãos da fantasia
Fosse bordando, ponto a ponto, nosso dia-a-dia

E fosse aparecendo, aos poucos, nosso amor
Os nossos sentimentos loucos, nosso amor
O ziguezague do tormento, as cores da alegria
A curva generosa da compreensão
Formando a pétala da rosa da paixão

A sua vida, o meu caminho, nosso amor
Você a linha e eu o linho, nosso amor
Nossa colcha de cama, nossa toalha de mesa
Reproduzidos no bordado
A casa, a estrada, a correnteza
O sol, a ave, a árvore, o ninho da beleza


Obs.: Não resisti e postei hoje... 'Cê sabe qu'eu sou um tanto ansiosa, do tipo que dá presente na véspera!

Obs.': A Bá escreveu um post pra você também, no blog dela.



sexta-feira, agosto 17, 2007

 

Minha biblioteca




Arnaldo já falou do livro e eu transcrevi uma crônica, num post sobre o “Herdando uma biblioteca”, de Miguel Sanches Neto. Esta também se encaixa no contexto. A ilustração acima, extraída do próprio capítulo, é de Laurabeatriz:
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Minha biblioteca
Ana Miranda


Existe uma estranha geografia em minha cabeça, que se refere a um mundo em torno de mim, um mundo físico, palpável, mas de significados infinitos. Essa estranha geografia surgiu do meu hábito de viver trancada num escritório cheio de livros. Esses livros dispostos numa serena ordem um ao lado do outro representam a minha mente como um mapa a um país. Se fecho os olhos, as prateleiras de livros se acendem dentro de minha cabeça, como se minha cabeça fosse também um aposento forrado de estantes de livros em que cada um deles é uma porta para um mundo diferente. Todos são logicamente posicionados, de acordo com um sistema funcional. Se me recordo de um desses livros, meu olhar vai diretamente ao lugar em que se encontra. Raras vezes algum se perde, mas quando isso acontece caio numa espécie de desespero. Algumas vezes basta olhar a lombada de um deles para receber sua influência, como uma secreta ligação, feito as ondas do mar em relação à Lua. Às vezes sinto um apelo irresistível, como se um deles me chamasse, e seja em que momento for, levanto da cadeira, retiro o livro da estante e o folheio, para ouvir o que tem a dizer. Esses livros determinam meus sentimentos, meus pensamentos, meu entendimento do mundo. Eles são o mapa de minha alma. Cada um deles representa uma região, um lugar onde estive, e onde ainda estou.

Há entre eles, claro, os livros escritos por mim, mesmo os traduzidos em outras línguas. Ficam separados numa das prateleiras, rabiscados desde a primeira página onde se encontram as palavras manuscritas: “meu exemplar de trabalho”. A leitura sistemática e assídua que realizei nestes últimos anos, sendo grande parte sobre livros de história ou história literária, dotou minha mente de uma desconfortável consciência histórica. Assim, tenho sempre a sensação de que nada me pertence, de que nenhuma palavra que escrevi é minha, de que não sou autora de meus próprios trabalhos, mas apenas um elo na construção literária da humanidade, uma pequena e frágil conexão entre um e outro tempo, massacrada pelas circunstâncias históricas.

Todos esses livros são para mim seres vivos, que sorriem, choram, zombam, ensinam, atraiçoam, respiram. Há cerca de vinte anos vivo por eles dominada. Quando criança tive uma pequena biblioteca, da qual me lembro de apenas alguns títulos. Ao sair da casa de meus pais, aos dezessete anos, ela ficou em meu quarto, e se perdeu. Tive depois disso apenas uma biblioteca que se foi ampliando com o tempo. A cada vez que eu me mudava de casa, levava caixotes repletos de livros. A cada mudança eram mais e maiores caixotes. Houve um momento em que a minha coleção de livros passou a ser realmente uma biblioteca, quando precisei criar uma ordem, a fim de que pudesse encontrar os volumes. Isso aconteceu cerca de quatro anos antes de eu publicar o meu primeiro romance, quando eu morava numa mansarda cujas janelas se abriam para uma paisagem de telhados, quando aprendi a conhecer o mundo dos telhados, povoado de gatos, estrelas e a Lua, além de alguns animais repugnantes, como lagartixas ou algum camundongo perdido. A mansarda tinha apenas dois ambientes: um escritório, uma cozinha-armário e um jirau que servia de quarto formavam o primeiro ambiente; o outro era apenas um desproporcionalmente grande banheiro onde cabiam máquina de lavar e de secar roupas. O escritório tinha apenas uma das paredes coberta de livros, organizados por gêneros, como romance e conto, poesia, ensaio, livros de referência. Eu tinha uma vida austera e comprava livros com parcimônia. Cada livro que passava a fazer parte de minha biblioteca tinha um significado para mim, havia sofrido uma espécie de prova e se integrado à minha estrutura pessoal. Eu os sentia todos ligados a mim por fios invisíveis. Sair de perto deles era uma espécie de rompimento, e eu me sentia perdida. Passei a gostar de permanecer apenas ali perto deles, uma espécie de prisioneira voluntária, conformada, até mesmo feliz.

Em seguida me mudei para um lugar maior, onde o escritório todo em madeira era voltado para um jardim – também apareciam gatos, estrelas, a Lua, ratos e lagartixas, além de caracóis, lesmas, vorazes lagartas verdes que acabaram se tornando minhas amigas, minhocas, joaninhas, uma infinidade de bichos moradores ou visitantes – e três paredes de estantes abrigavam uma quantidade bem maior de livros. Lembro-me de minha atividade ao mesmo tempo frenética e monótona, subindo e descendo degraus, tirando e devolvendo livros, abrindo e fechando páginas, guardando, registrando na mente cada lugar, cada palavra, cada frase que se tornava importante para mim. Na época eu ainda dispunha de espaço, estava numa situação financeira um pouco melhor e tinha ganância em adquirir livros, que se amontoavam na minha cabeceira esperando a vez de serem lidos até merecerem entrar no recinto sagrado de meu escritório. Eu buscava não apenas livros novos, quer dizer, ainda não lidos por mim, como tentava recuperar os que havia lido na adolescência ou mesmo na idade adulta e que estavam perdidos, fisicamente. Ainda tinha a ilusão de que poderia guardar comigo todos os livros do mundo.

Hoje vivo num escritório mais amplo, branco, com janelas de vidro rasgando uma das paredes de um a outro lado, por onde se avistam a cidade do Rio de Janeiro, o mar, as ilhas Cagarras, Palmas, Redonda etc., o céu, estrelas, a Lua. Em vez de gatos ou insetos vejo pássaros ou surpreendentes balões dirigíveis, ou helicópteros, ou aviões. A biblioteca que me circunda é imensamente maior do que as anteriores, apesar de meu rigor na entrada e permanência dos volumes. Os meus livros convivem pacificamente com os livros de meu marido. É uma casa onde os livros são o centro de tudo. Há livros na sala, no quarto, na cozinha, no corredor, nos quartos das crianças, claro, no quarto da empregada (minha assessora especial diz que na próxima vida voltará como escritora), livros no banheiro. Os livros, como as pessoas, têm seu destino. Penso sempre no que acontecerá com esses livros, depois de minha morte, se é que algum dia eu vá morrer, sempre tenho a esperança de assistir à descoberta da fonte de imortalidade. Meu filho não terá interesse por eles? Quem sabe algum neto. Alguém os comprará a quilo para serem vendidos num sebo? Talvez eu possa doá-los a uma instituição, ou a pessoas amadas, como fez um amigo meu que morreu muito jovem e sua morte anunciada permitiu que ele fizesse um testamento distribuindo sua biblioteca.

Graças a ele, tenho edições antigas de Proust, Updike, Milan Kundera ou Guimarães Rosa.

[texto extraído do livro “Deus-dará – crônicas publicadas na Caros Amigos”, Ana Miranda, Casa Amarela, 2003, pp. 46-51]



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Ana Miranda nasceu em Fortaleza, em 1951. Cresceu em Brasília e morou no Rio. Mora atualmente em São Paulo. Publicou dois livros de poesias, e os romances Boca do Inferno (1989, prêmio Jabuti 1990), O retrato do rei (1991), A última quimera (1995), Desmundo (1996), Amrik (l997) e Dias & dias (2002, prêmios Jabuti e Academia Brasileira de Letras 2003), assim como o livro de contos, Noturnos (1999), editado pela Companhia das Letras. Em 1996 publicou a novela Clarice. Em 1998, a antologia Que seja em segredo e em 2000, Caderno de sonhos, pela Dantes Editora. Tem livros publicados em diversos países. Colabora com a revista Caros Amigos desde maio de 1997.

[extraído da orelha do livro]
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mansarda [Do fr. mansarde]
Substantivo feminino.
1. Arquit. Telhado formado por águas [v. água (12)] quebradas, com duas inclinações, sendo a inclinação inferior quase vertical e a superior quase horizontal.
2. Arquit. O último andar de uma edificação, formado pela inclinação inferior do telhado em mansarda (1).
3. Morada miserável.

jirau [Do tupi]
Substantivo masculino. Bras.
1. Estrado de varas sobre forquilhas cravadas no chão, us. para guardar panelas, pratos, legumes, etc.: “Em frente, ou no chão, ou sobre um jirau de madeira, vasos, paneiros, pedaços de panelas, restos de potes, cheios de flores.” (José Veríssimo, Cenas da Vida Amazônica, pp. 342-343.)
2. Armação de madeira sobre a qual se edificam as casas a fim de evitar a água e a umidade.
3. P. ext. Qualquer armação de madeira em forma de estrado ou palanque.
4. Cama de varas: “quedou imóvel, em aparente tranqüilidade, sobre o jirau soerguido do solo por quatro espeques toscos” (Coelho Neto, Sertão, p. 20).
5. Arquit. No interior de um compartimento, piso (3) a meia altura que cobre, apenas parcialmente, a sua área. [Cf. pódio (4).]
6. Bras. V. sobreloja.


quarta-feira, agosto 15, 2007

 

Vincenzo Scarpellini



Postei, dias atrás, uma gravura recortada da Folha SP. Reproduzi a legenda e coloquei os créditos da ilustração e texto: Vincenzo Scarpellini. O qu’eu não sabia, porém, é que este designer gráfico italiano, radicado no Brasil desde 1996, morrera, aos 41 anos, de câncer, em São Paulo, no dia 16 de julho de 2006. A notícia me chocou...

Descobri, então, pesquisando na Internet, 2 livros dele, com ilustrações da cidade: SÃO PAULO – TRÂNSITOS e SÃO PAULO – VIDAS, ambos publicados pela ATELIÊ EDITORIAL, 2006.

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Sinopse: Vincenzo Scarpellini tem brindado os cidadãos paulistanos com desenhos e minicrônicas publicadas semanalmente no jornal Folha de São Paulo. Dono de uma sensibilidade poética única, o artista plástico italiano acrescenta cores e emoção ao cotidiano massacrante da metrópole.

Em “São Paulo – Trânsitos”, lança o olhar sobre esta pesarosa instituição da cidade. Carros, motos e pedestres numa sinfonia apocalíptica.

São Paulo – Vidas” apresenta o que se esconde sob o cimento, o barulho e a poluição - os personagens paulistanos. Um pouco de sangue nas artérias pálidas de São Paulo.
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LINKS:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u123983.shtml
http://marcelocoelho.folha.blog.uol.com.br/arch2006-07-16_2006-07-22.html
http://www1.folha.uol.com.br/folha/turismo/noticias/ult338u5591.shtml
http://criancas.uol.com.br/historias/papelzinho/papelzinho10.jhtm
http://criancas.uol.com.br/historias/papelzinho/


sábado, agosto 11, 2007

 

11 de agosto de 1957



Nasci num domingo, Dia dos Pais, véspera do aniversário da minha mãe. Eles sempre me disseram que fui presente pr’os dois e eu gosto desta idéia! Meu pai até dedicou uma música, na rádio, pra nós duas, neste dia. Nasci em casa, com parteira, e um enxoval todo bordado à mão por minha mãe (exímia costureira e bordadeira). Meu irmão tinha, então, 5 anos e acabara de ganhar uma irmãzinha. Há meio século estou por aqui! Nem acredito que faz todo esse tempo...

Arnaldo postou com voz masculina (Paulinho da Viola), eu posto com voz feminina (Ângela Rô Rô), esta linda canção de Aldir Blanc & Cristóvão Bastos:


50 anos
Aldir Blanc & Cristóvão Bastos


Eu vim aqui prestar contas
De poucos acertos, de erros sem fim

Eu tropecei tanto, às tontas,
Que acabei chegando no fundo de mim
O filme da vida
Não quer despedida e me indica
Ache a saída
E pede socorro onde a lua
Encanta o alto do morro
E gane que nem cachorro
Correndo atrás do momento que foi vivido
Venha de onde vier
Ninguém lembra porque quer
Eu beijo na boca de hoje as lágrimas de outra mulher

Cinqüenta anos são bodas de sangue
Casei com a inconstância e o prazer
Perdôo a todos, não peço desculpas
Foi isso que eu quis viver
Acolho o futuro
De braços abertos
Citando Cartola:
"Eu fiz o que pude"
Aos cinqüenta anos,
Insisto na juventude

Pr'os meus pais.

Obs.: Queria ilustrar este post com fotos antigas, mas não as encontro...

ganir [Do lat. gannire]
Verbo intransitivo
1. Dar ganidos; gemer como os cães: “grasnavam patos, ganiam cães” (Coelho Neto, A Conquista, p. 444).
Verbo transitivo direto
2. Soltar ou emitir à maneira de ganido: “devorou-a num abraço de todo o corpo, ganindo ligeiros gritos, secos, curtos, muito agudos” (Aluísio Azevedo, O Cortiço, p. 195); “Ser cachorro! Ganir incompreendidos / Verbos!” (Augusto dos Anjos, Eu, p. 27).
[Defect. Não se conjuga na 1a pess. sing. do pres. ind. nem no pres. subj.]
Substantivo masculino
3. Ato de ganir; ganido: “ouviu o ganir de um cão, ao longe.” (Machado de Assis, Contos, p. 38).
[Sin. ger. (em GO): ganiçar.]

ganido [Do lat. gannitu]
Substantivo masculino
1. Grito lamentoso dos cães, ou como que dos cães: “Quando ela falou do meu rato ela soluçou muito alto e depois deu um ganido.” (Hilda Hilst, Ficções, p. 37.)
2. Fig. Voz esganiçada.



quarta-feira, agosto 08, 2007

 

O texto, ou: a vida (I)


Eis o que estou lendo:


Escrevo há muito tempo. Costumo dizer que se ainda não aprendi não foi por falta de prática. Comecei cedo; minhas recordações de infância estão ligadas a isso: a ouvir e contar histórias. Não só histórias de personagens que me emocionaram, me intrigaram, me encantaram, me assustaram – o Saci-Pererê, o Negrinho do Pastoreio, a Cuca, Hércules, Teseu, os Argonautas, Mickey Mouse, Tarzan, os Macabeus, os piratas, Emília, João Felpudo, Huck Finn –, mas também as histórias que eu ouvia de meus pais, de parentes, dos vizinhos, e aquelas que eu próprio inventava.

Contar e ouvir histórias é fundamental para os seres humanos; parte de nosso genoma, por assim dizer. Sob a forma de mitos, as histórias proporcionavam, e proporcionam,
explicações para coisas que parecem, ou podem parecer, misteriosas. De onde veio o mundo? De onde surgiram as criaturas que o habitam? O
que acontece com o sol quando ele se põe? Mitos ou histórias proporcionam explicações que, mesmo fantasiosas (ou exatamente por serem fantasiosas), acalmam nossa ansiedade diante da vida e do universo. (...)

[Introdução de “O texto, ou: a vida – Uma trajetória literária”, Moacyr Scliar*, Bertrand Brasil, 2006, pp. 7-8]
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Pra Cecília, Bartira & Cauê.
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*Moacyr Scliar Traduzido para cerca de 15 idiomas, adaptado para a tevê, o cinema, incontáveis vezes premiado nacional e internacionalmente. Scliar, além de escritor é médico. E, além de médico, um escritor que não completa apenas a sua segunda face, mas um raro escritor, merecedor, como poucos, da palavra prolífico. Cronista (há 23 anos assina uma coluna semanal em importante periódico); contista (mestre do gênero em nossa língua, legítimo clássico vivo); romancista (O Exército de um Homem Só, de 1973; O Centavo no Jardim, de 1980; A Majestade do Xingu, de 1997; e Os Vendilhões do Templo, de 2006 – para ficarmos com um único título por década –, são referência obrigatória quando se trata de narrativa longa); autor infanto-juvenil e ensaísta. Só na poesia Scliar não se aventurou. Pior para a poesia.

[extraído da orelha do livro]

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Escrever, para mim, é um ato que preenche várias finalidades. Em primeiro lugar, é uma forma de organizar o mundo, de dar sentido às coisas, através daquela progressão lógica: princípio, meio, fim. Em segundo lugar, é um grande meio de comunicação com nossos semelhantes: a palavra escrita é um território que partilhamos em silêncio, em amável cumplicidade.

Escrever é contar histórias. Cheguei à literatura por causa disto, porque gostava de ouvir as histórias que meus pais, emigrantes, contavam e queria fazer como eles, contar também as minhas histórias, mas contar como os escritores que li desde pequeno (Monteiro Lobato, Érico Veríssimo, Jorge Amado) e que eu admirava. Por último, quero dizer que há, no escrever, um componente lúdico. Colocar as palavras uma ao lado da outra é um jeito de organizar o pensamento, mas é, sobretudo, um jogo, como aqueles jogos de armar. Tudo isso para dizer que escrever tem de ser sinônimo de prazer e emoção. Dar prazer e emoção ao leitor é a primeira tarefa do escritor.

Acredito, sim, em inspiração, não como uma coisa que vem de fora, que "baixa" no escritor, mas simplesmente como o resultado de uma peculiar introspecção que permite ao escritor acessar histórias que já se encontram em embrião no seu próprio inconsciente e que costumam aparecer sob outras formas — o sonho, por exemplo. Mas só inspiração não é suficiente.

Moacyr Scliar

Links:
http://almanaque.folha.uol.com.br/moacyrscliar.htm
http://www.klickescritores.com.br/mscliar00.html
http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=298
http://almanaque.folha.uol.com.br/moacyrscliar2.htm


terça-feira, agosto 07, 2007

 

O trânsito dilata as distâncias


Vi, gostei e recortei esta gravura, do jornal Folha de São Paulo, tempos atrás (não tive o cuidado de anotar a data). Transcrevo a legenda, pois não sei se, no original, ficará legível:

Ilustração: VINCENZO SCARPELLINI

BRIGADEIRO LUÍS ANTONIO - Os fios suspensos da eletricidade têm aparência de um grande bordado meio desmanchado. Abaixo deles, o trânsito. Em modo certamente cômico, o trânsito dilata as distâncias: se um carro poderia percorrer um quilômetro em poucos segundos, muitos carros juntos levam meia hora, uma hora, uma eternidade. Pensando bem, o trânsito é uma eternidade cheia de carros. (VINCENZO SCARPELLINI)

Associei estas palavras a duas canções:






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Transversal do tempo
(João Bosco & Aldir Blanc)
Intérpretes: Elis Regina
João Bosco & Toots Thielemans*

As coisas que eu sei de mim
São pivetes da cidade
Pedem, insistem e eu
Me sinto pouco à vontade
Fechada dentro de um táxi
Numa transversal do tempo
Acho que o amor
É a ausência de engarrafamento

As coisas que eu sei de mim
Tentam vencer a distância
E é como se aguardassem feridas
Numa ambulância
As pobres coisas que eu sei
Podem morrer, mas espero
Como se houvesse um sinal
Sem sair do amarelo






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*Toots Thielemans - Nascido na Bélgica, em 1922, Baron Jean-Baptiste Frédéric Isidor "Toots" Thielemans começou a tocar gaita como um hobby: seu primeiro instrumento, ainda quando criança, foi o acordeom. Passou a tocar violão depois que ganhou um em uma aposta. Apesar de particularmente conhecido pelo som de sua gaita e assovio, sua reputação surgiu ainda como violonista. Era ídolo de Django Reinhardt, que teve forte influência em sua formação musical.
Músico de técnica virtuosa e original, Toots Thielemans introduziu a gaita de boca como instrumento de jazz. Segundo a AllMusic Guide, “nenhum outro gaitista surgido entre os anos 50 até hoje pode ser comparado ao seu estilo e genialidade: ele toca a gaita com a destreza de um saxofonista”. Em 1950, após uma turnê européia com Benny Goodman, Thielemans ganhou reconhecimento internacional. Mudou-se para os Estados Unidos, tornando-se membro do Charlie Parker's All Stars do George Shearing Quintet.
Thielemans tem uma discografia extensa e realizou jam sessions com Sidney Bechet, Charlie Parker, Miles Davis, Max Roach e outros grandes nomes do jazz.







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Sinal Fechado
(Paulinho da Viola)
Intérpretes: Chico Buarque

Paulinho da Viola

_ Olá, como vai?
_ Eu vou indo e você, tudo bem?
_ Tudo bem eu vou indo,
Correndo, pegar meu lugar
No futuro, e você?
_ Tudo bem eu vou indo
Em busca de um sono tranqüilo,
Quem sabe?
_ Quanto tempo...
_ Pois é, quanto tempo...

_ Me perdoe a pressa
É a alma dos nossos negócios
_ Qual, não tem de quê
Eu também só ando a cem
_ Quando é que você telefona?
Precisamos nos ver por aí
_ Pra semana, prometo, talvez nos vejamos
Quem sabe?
_ Quanto tempo...
_ Pois é, quanto tempo...

_ Tanta coisa que eu tinha a dizer
Mas eu sumi na poeira das ruas
_ Eu também tenho algo a dizer
Mas me foge à lembrança
_ Por favor, telefone, eu preciso beber
Alguma coisa, rapidamente
_ Pra semana
_ O sinal
_ Eu procuro você
_ Vai abrir, vai abrir
_ Eu prometo não esqueço
_ Por favor, não esqueça, não esqueça
_ Adeus
_ Adeus




segunda-feira, agosto 06, 2007

 

A redenção do "y"




Não tinha lido esta crônica, do Ruy Castro, na Folha. Arnaldo foi quem me mostrou:

Folha Opinião
São Paulo, segunda-feira, 23 de julho de 2007

RUY CASTRO

A redenção do “y”

RIO DE JANEIRO - Alvíssaras! Enfim na legalidade! Com as mudanças na ortografia da língua portuguesa a partir de janeiro de 2008, o "k", o "w" e o "y", banidos desde 1942, serão reincorporados ao alfabeto. Com isso, posso finalmente andar de cabeça erguida e assinar meu nome -com "y"- em cheques, fichas de hotel e cartelas de restaurante a quilo, para não citar esta coluna, sem a sensação de que estou cometendo falsidade ideológica.

Nascido em 1948, com o "y" já fora da lei, fui registrado Ruy por meu pai, ele também Ruy, e um escrivão distraído deixou passar. Mas você se torna o seu nome e, desde então, tive de defender esse "y" contra os fanáticos e legalistas que insistiam em trocá-lo pelo "i", com o qual me sinto nu em letra de forma.

Os puristas insistiam na alegada inexistência do "y" em português, assim como a do "k" e a do "w", fingindo ignorar que ela fora imposta por decreto e nunca impedira que tais letras continuassem imprescindíveis no dia-a-dia -vide "km" (por quilômetro), "watt" (a unidade de medida da energia elétrica) etc. etc. Se o Aurélio e o Houaiss sempre dedicaram páginas a essas letras, como elas podiam não existir?

Quanto ao "y", o que seria da música brasileira sem ele? Bidu Sayão, Ary Barroso, Aracy Cortes, Aracy de Almeida, Sylvio Caldas, Synval Silva, Alcyr Pires Vermelho, Dorival e os demais Caymmis, Aloysio de Oliveira, a Lyra de Xopotó, Dick Farney, Ivon Cury, Johnny Alf, Nora Ney, Maysa, Cauby Peixoto, Billy Blanco, Celly Campello, Carlos Lyra, Walter Wanderley, Sylvia Telles, Alayde Costa, Leny Andrade, Pery Ribeiro, João Roberto Kelly, Rosemary, o Quarteto em Cy, Joyce, Suely Costa, Baby Consuelo, Moacyr Luz, Daniela Mercury, Yamandú Costa e muitos mais poderiam até existir -mas não seriam os mesmos.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A.


Outro dia me perguntaram por que eu gostava tanto de ler. Vejamos.
Ler é melhor do que ir ao cinema, viajar ou usar porcarias que tiram o sujeito do sério. Ao ler você produz, dirige e estrela o filme dentro de sua cabeça; viaja sem os inconvenientes da viagem; e penetra em mundos dos quais volta mais humano e mais sábio. Nada expande mais a consciência do que um bom romance ou qualquer livro inteligente.
Pensando bem, ler é a segunda melhor coisa do mundo.
A primeira é escrever.
A que você está pensando é hors-concours.

Ruy Castro


[Pra Rosamaria]



alvíssaras [Do ár. al-ba8Ara(t), ‘boa nova’.]
Substantivo feminino plural.
1. Prêmio ou recompensa que se concede a quem anuncia boas novas ou entrega coisa que se perdera: “Dou a V.M. de alvíssaras, pelas boas novas de Lamego, as mortificações que lhe tenho dado; que esta é a melhor moeda daqueles que em Deus são amigos.” (Fr. Antônio das Chagas, Cartas Espirituais, p. 141.)
Interjeição.
2. Serve para anunciar boas novas. [Cf. alvissaras, do v. alvissarar.]

alvissarar [De alvíssaras + -ar2.]
Verbo transitivo direto.
1. Noticiar a fim de receber alvíssaras.
2. Noticiar, referir, relatar: Alvissarou por toda a cidade a infausta notícia.
3. Deparar, topar, com; encontrar: Pesquisando com paciência, hás de alvissarar muita coisa interessante.
Verbo transitivo direto e indireto.
4. Noticiar a fim de receber alvíssaras: Alvissarei-lhe sua nomeação. [Pres. ind.: alvissaro, alvissaras, etc. Cf. alvíssaras.]

alvissareiro [De alvíssaras + -eiro.]
Adjetivo.
1. Que pede ou dá alvíssaras.
2. Auspicioso: notícia alvissareira; futuro alvissareiro.
Substantivo masculino.
3. Aquele que pede, ou recebe, dá, ou promete alvíssaras.
4. Portador de boas novas.
5. Aquele que anunciava a chegada de um navio à barra e ia pedir ao dono da embarcação as alvíssaras.
6. P. ext. O que anuncia; anunciador; núncio: “À orla dos banhados, as seriemas já algazarram aos pulos, alvissareiras da manhã.” (Vieira Pires, Querência, p. 131.)

hors-concours [Fr., ‘fora de concurso’]
Adjetivo.
1. Apresentado em exposição ou concurso, porém sem concorrer a prêmios, seja por não enquadrar-se nas regras respectivas, seja pela flagrante superioridade em relação aos demais concorrentes.



Links:
http://www.digestivocultural.com/entrevistas/entrevista.asp?codigo=4
http://www.2001video.com.br/entrevista.asp?codcinefilo=92&data=26/09/2006
http://yahoo.guiadasemana.com.br/yahoo/iframe/channel_noticias.asp?id=9&cd_city=1&cd_news=28097


domingo, agosto 05, 2007

 

O homem que conhecia as mulheres



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Arnaldo já falou deste livro, em seu blog, aproveito o gancho pra deixar aqui a nossa crônica preferida (qu'ele sonegou...):

DORA

Trinta e dois, paulistana da gema, descende de italianos. Até conseguiu, depois de anos de giro por repartições, um passaporte italiano. Mas nunca usou. Orgulha-se de suas raízes. Mas é brasileira, sente-se assim, é paulistana, adora ser. Seus avós paternos vieram para o Brasil no começo do século, cada um em um navio. Fizeram esta cidade, diziam. Já morreram há tempos. Ela se lembra bem. Do avô comendo com babador, raspando o prato com pão. Da avó reclamando que ela, Dora, era muito magrinha e devia comer mais. Deles assistindo ao JN e se despedirem do locutor:

“Boa-noite para o senhor também.”

Eram amáveis, alegres, risonhos. Irônicos. Mas algo destoava. Não gostavam de nordestinos. Diziam que eles estragaram esta cidade, que eram ignorantes, sujos, analfabetos. Dora se perguntava: como é possível pessoas tão amáveis, que foram recebidas de braços abertos pelos brasileiros, detestarem outros brasileiros migrantes?

Dora amava seus avós. Mas essa lembrança a incomoda até hoje. E, para jogar com sua memória, ela sempre viaja ao Nordeste nas férias, adora, só ouve Chico Science e Otto e já dançou muito Luiz Gonzaga em forrós de Pinheiros.

Dora trabalha num sebo no centrão. Cruza sempre com um sanfoneiro na praça da Sé. Diverte-se com seu sotaque arrastado. Ela se pergunta: como alguém de São Paulo não ama tantos povos se cruzando? Dora se orgulha de sua cidade. No Oriente Médio, eles guerreiam. Aqui, vivemos em paz, cada um com sua doutrina. Dora concluiu: São Paulo é uma utopia, tem seus problemas, mas é única. Ela compra livros em casas de famílias. Em casas de judeus, árabes, japoneses, coreanos, russos, bolivianos. Seu carro está sempre cheio de livros.

Ela vive cercada por eles. Roda a cidade em busca deles. Compra de noite, deixa-os no carro e os leva no dia seguinte para o sebo. São Paulo tem de tudo, diz, quando perguntam no Nordeste sobre a cidade. Ela adora sair de carro, visitar famílias se desfazendo de livros, escolher e olhar capas emboloradas, adora o que faz, fazer passar de mão em mão tantas histórias, personagens e imagens bonitas de uns povos, que serão lidas por outros.

Numa noite, chegando ao seu apartamento de Perdizes, o garagista a cumprimentou. Era novo, recém-contratado, nordestino, aquele sotaque inconfundível, seu Luiz Carlos. Ele logo ofereceu ajuda para levar os livros para cima. Não precisa. Somos cercados por nordestinos, pensou. Eles fazem nossa segurança, nos ajudam. Paraibanos, pernambucanos, baianos. Cearenses, alagoanos, sergipanos. Eles fazem esta cidade. Seu Luiz gostou do título de um livro que estava jogado no banco traseiro e perguntou se ela podia emprestar.

Era A Queda, de Camus. Logo ela se lembrou dos avós. Será que vai gostar? Vai entender? É literatura para garagistas? Perguntou por que ele queria ler aquele um.

“Gostei do título”, ele repetiu. Claro, ela o emprestou. E subiu.

Na noite seguinte, ao estacionar o carro, esperou que seu Luiz dissesse algo. Mas ele, nada. Não deve ter lido. Ou parou na primeira página. Cumprimentou-o com um aceno e, quando estava para entrar no elevador, reparou que ele olhava para dentro de seu carro.

“Dona Dora, dona Dora, um minutinho. Seu livro.” Ela voltou para o carro. Ele apontou para um exemplar de O Velho e o Mar.

“Posso agora ler este aqui?”, perguntou.

Hemingway, frases curtas, linguagem sem metáforas. Sim, claro. Ela o emprestou. E ele devolveu o de Camus. “Gostou?”, Dora perguntou.

“É triste...”

Só disse isso. Que era triste.

Todas as noites, o novo garagista Luiz Carlos se aproximava, assim que ela encostava o carro, apontava um livro, pedia emprestado e devolvia o anterior.

Lia em uma noite. Provavelmente no banquinho da garagem. Seus comentários eram sempre sintéticos. Sobre O Velho e o Mar, disse: “Que dureza...” Sobre Dom Casmurro, disse: “Que infelicidade...” Sobre Cem Anos de Solidão, disse: “Que injustiça...” Sobre A Metamorfose, disse: “Que maluquice...”

Numa noite, assim que ela estacionou, ele já estava de olho no banco traseiro. Ela fechou os vidros, pegou sua bolsa, saiu do carro. E ele continuava intrigado. Ela aguardou, com a porta ainda aberta. Ele, mudo.

“Então, já escolheu?”, perguntou.

“Que nome lindo... Eu quero este aqui”, disse hipnotizado, devolvendo o exemplar da noite anterior.

“Qual vai ser?”

“Este aqui.
Grande Sertão: Veredas.”

“Tem certeza?”

“João Guimarães Rosa... É brasileiro, né?”

“É.”

“E é bom?”

“Dizem...”

Dora ficou envergonhada. Nunca tinha lido. Quer dizer, tentou diversas vezes, mas não conseguiu. Parava na página 40, sempre. Esperava um dia pegar hepatite ou se perder numa ilha deserta com um exemplar para lê-lo com paciência. Pensou em dizer para seu Luiz, olha, esse livro é difícil, muitos não conseguem ler. Mas se lembrou de seus avós. E achou que seria o teste definitivo. Todos dizem, não há nada superior a Grande Sertão. Aí está, senhor Guimarães, prove.

Dora o emprestou sem fazer um comentário. Na cama, antes de dormir, imaginou seu garagista naquele banquinho, com os olhos assustados, procurando os significados daquela língua inventada e invertida, livro que muitos levam meses para ler.

Na noite seguinte, Dora entrou com o carro e viu seu Luiz com o livro aberto no colo, sem desgrudar dele. Ela não o interrompeu. E, mesmo se precisasse de ajuda, ele não tiraria os olhos do livro. Isso aconteceu nos outros dois dias. Foi na quarta noite que, ao estacionar o carro, seu Luiz se aproximou. Assim que ela saiu, ele estendeu o livro, devolvendo-o.

“Então?”, ela perguntou.

Ele só suspirou. Não deve ter gostado, concluiu.

“Qual livro o senhor vai querer hoje?”

“Hoje? Nenhum. Não preciso mais...”

Disse e voltou pensativo para o seu banco. Quando ela estava para entrar no elevador, ouviu ele repetir:

“Eu sabia. Desde o começo. Era uma mulher. Aqueles olhos verdes... Diadorim era mulher. Eu sabia, desde o começo...”


[Extraído do livro: "O homem que conhecia as mulheres", Marcelo Rubens Paiva*, Editora Objetiva, 2006, pp. 62–66]



Pra Grazi, que vive, hoje, em Campo Grande/MS,
vizinho, por um estreito e pequeno trecho,
das Minas Gerais de
Guimarães Rosa.


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*Marcelo Rubens Paiva, paulistano, nasceu em 1959. Ganhador do Prêmio Jabuti (1983), Moinho Santista (1985) e Shell de Teatro (2000), estudou na Escola de Comunicações e Artes da USP, freqüentou o mestrado de Teoria Literária da Unicamp e o Knight Fellow Program da Universidade de Stanford, Califórnia. Publicou os romances Feliz ano velho (1982), Blecaute (1986), Ua:brari (1990), Bala na agulha (1992), Não és tu, Brasil (1996) - todos reeditados pela Arx -e O amor e outras curvas (2003). Publicou o livro de crônicas As fêmeas (1994), também reeditado pela Arx. Foi traduzido para o inglês, espanhol, francês, italiano, alemão e tcheco. Atua também como jornalista desde 1982: destacou-se como crítico literário da revista Veja, apresentador do programa Fanzine da TV Cultura e colunista e articulista do jornal Folha de S.Paulo e da revista Vogue RG.

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Adendo: Lendo Moacyr Scliar (“O texto, ou: a vida – Uma trajetória literária”, Bertrand Brasil, 2006, 272 p.), encontrei:

(...) como se sabe que uma idéia é boa? “Quando os pêlos do braço se arrepiam”, respondia Hemingway; o que faz sentido. Trata-se de uma reação visceral que não controlamos, mais autêntica, portanto, do que aquilo que passa pelo nosso raciocínio. Os pêlos do braço, movidos por músculos lisos (não dependentes de nossa vontade), são sinceros: se eles se põem de pé para aplaudir a idéia, podemos ter certeza de que ela brotou do mais íntimo, do mais visceral, do nosso ser.

que vem ao encontro do que acontece comigo ao ler esta crônica do Marcelo Paiva: o final dela sempre me arrepia...

[Pro Eli, que, sei, também gosta destas coincidências e associações.]





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