domingo, janeiro 20, 2008

 

Mario Quintana (1906-1994)


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Já havia falado da capa da revista, num outro post, agora transcrevo partes do texto:

Do estilo
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“Fere de leve a frase... E esquece...
Nada
Convém que se repita...
Só em linguagem amorosa
agrada
A mesma coisa cem mil vezes dita.”
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Da preocupação de escrever
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“Escrever... Mas porquê? Por
vaidade, está visto...
Pura vaidade, escrever!
Pegar da pena... Olhai que graça
terá isto,
Se já se sabe tudo o
que se vai dizer!...”

Trechos de Espelho mágico
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(...) Mario Quintana jamais se engajou em nada, nem em escolas poéticas. Individualista, narcisista, era um gauche solitário. Seu jeito mágico de criar sempre perturbou os mais eruditos, que ainda olham os textos do poeta com certa desconfiança. Sentimento atestado pelo próprio autor em um de seus minitextos reunidos em Caderno H, intitulado “A coisa”: “A gente pensa uma coisa, acaba escrevendo outra e o leitor entende uma terceira coisa... e, enquanto se passa tudo isso, a coisa propriamente dita começa a desconfiar que não foi propriamente dita”.

É de uma simplicidade enganosa, de saborosa oralidade, que se fala aqui em referência à obra deste poeta que nasceu em Alegrete em 30 de julho e construiu toda a sua estrada literária sem tirar em definitivo os pés do solo gaúcho. Antes de virar autor famoso, foi atendente na Livraria do Globo e depois trabalhou com o pai como prático de farmácia. Foi desse aprendizado que herdou o gosto pela “dosagem das palavras”, em oposição à chatice da longuidão, como escreveu no texto “Mario Quintana por ele mesmo” em 1984.

Tornou-se poeta aos poucos. (...)

Apesar das inúmeras honrarias, dos prêmios e das homenagens que recebeu em vida, como a de Manuel Bandeira e Augusto Meyer na Academia Brasileira de Letras, Quintana foi um daqueles artistas que sempre estiveram à margem dos grandes grupos, acontecimentos, escolas ou movimentos inaugurais. Jamais conseguiu entrar na própria ABL que o homenageara, o que lhe rendeu um ótimo riso de si mesmo no já clássico “Poeminha do contra”: “Todos esses que aí estão/Atravancando o meu caminho,/Eles passarão.../Eu passarinho!”.

Velhinho estranho, solitário e simpático, que disse nunca ter escrito uma linha sequer que não fosse autobiográfica, Quintana foi senhor de seus próprios caminhos inventados e nada do que não possuiu pareceu fazer realmente falta. Com seu jeito peculiar de se apresentar ao mundo, o poeta dizia que alguns não chegarão a enxergá-Io. “Que sobrará de mim, eu que só escrevo para os que gostam de ler nas entrelinhas?”

Rever a obra do autor é um mergulho num cotidiano transfigurado por um profundo lirismo, repleto de sonoridade e musicalidade. Críticos, escritores, professores e poetas ouvidos por EntreLivros para esta edição (...) disseram que a poesia de Mario Quintana é um trabalho muito mais complexo do que parece numa primeira leitura apressada e comprometida com o entendimento cerebral da vida e dos acontecimentos. Há palavras que são verdadeiramente mágicas, e Quintana parecia saber disso como ninguém.
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“Isto de escrever versos de amor é
das coisas mais difíceis que há.
Impossível não descambar para
o lugar-comum. Je dis des mots
toujours les mêmes... confessa o
próprio autor de Toi et moi.”

Trecho de Porta giratória

Não é fácil encontrar método, vocabulário e tom para, segundo Silviano Santiago, envolver digna e racionalmente a poesia lírica, embora acredite que a mesma seja bem recebida em alguns arraiais acadêmicos. “O poema lírico é auto-suficiente. Convida menos à reflexão e mais à leitura prazerosa. Não é por casualidade que o leitor comum, sem usar a ‘visão armada’, velha expressão da crítica anglo-saxônica, esteja sendo tão disputado por algumas vozes poéticas em destaque no movimento”, (...), comenta o escritor.

O que se entende por leitor comum é, em geral, aquele que não tem formação em letras e, principalmente, em história ou sociologia. Estes precisam apenas de um apetrecho para a recepção de um poema lírico: a sensibilidade. “Talvez o sucesso de Quintana se explique porque há fome de poesia lírica entre os novos participantes da vida literária”, analisa Silviano Santiago.

A poeta gaúcha Suzana Vargas, mestre em teoria da literatura e autora de O amor é vermelho, conviveu de perto com Mario Quintana em Porto Alegre. Ela diz que o maior legado do autor de Aprendiz de feiticeiro, tanto para as novas gerações de poetas como para os leitores de poesia é o casamento harmonioso entre pensamento e emoção: “Quintana escrevia com simplicidade, mas sem concessões à simplificação. Quando penso nele, lembro dos versos de Fernando Pessoa – ‘O que em mim sente/Está pensando’”. A poeta diz que nunca se esquece dos conselhos de Quintana: trabalhar, trabalhar e trabalhar para que o trabalho não apareça. “Muito diferente da poesia que se pratica hoje, plena de citações e de uma pseudo-erudição”, acrescenta. A obra do poeta de Alegrete, segundo ela, faz lembrar também uma frase de Clarice Lispector em A hora da estrela – “só consigo a simplicidade através de muito trabalho”.

Para o tradutor e escritor Sérgio Faraco, autor de Dançar tango em Porto Alegre, a crítica costuma preferir na poesia aquilo que é cerebral ou a mera arquitetura frasal; “de sentimentos, só há indícios”. Diz Faraco: “Quintana é poesia pura, sem babados, e as pessoas supostamente mais intelectualizadas preferem o babado”. Ele alerta para a cilada: não se trata de uma poesia espontânea. “Eis um dos grandes méritos do poeta: escrever com tal naturalidade que faz os leitores naufragarem nas águas profundas de sua ternura e, sobretudo, de sua suave e doce ironia”, explica.

Embora seja hoje um poeta popular, com leitores cativos, a recepção do autor foi bastante tardia mesmo por parte de quem hoje o admira, não só pelos fatores já citados, mas também por causa de um individualismo que, na opinião da professora de literatura da UFRGS, Regina Zilberman, deixou o poeta um tanto arredio no seu trajeto contramão: “Não podemos esquecer que seu primeiro livro, A rua dos cata­ventos, inclui apenas sonetos, quando o modernismo paulista tinha banido o gênero. Quando retornaram as preocupações formais com o verso, a rima e a métrica, o que se constata mesmo em Drummond, (...), Quintana prefere adotar o verso livre, abandonar a rima, como se verifica em Aprendiz de feiticeiro. Mais do que a crítica, os historiadores da literatura não souberam como definir, nem enquadrar, um poeta com essas características. Daí a valorização de sua obra só acontecer depois dos anos 80, quando o poeta já tinha mais de 70 anos”, analisa.

Mario Quintana foi, segundo Regina Zilberman, moderno por recusar a modernidade; renitentemente subjetivo ao filtrar o mundo exterior por meio do seu ego – única entidade em que verdadeiramente confiava.
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“Sempre desconfiei de
narrativas de sonhos. Se já nos
é difícil recordar o que vimos
despertos e de olhos bem abertos,
imagine-se o que não será das
coisas que vimos dormindo e
de olhos fechados... Com esse
pouco que nos resta, fazemos
reconstituições suspeitamente
lógicas e pomos enredo, sem
querer; nas ocasionais variações
de um calidoscópio. Me lembro
de que, quando menino,
minha gente acusava-me de
inventar os sonhos. O que me
deixava indignado.

Hoje creio que ambas as
partes tínhamos razão.

Por outro lado, o que mais
espantoso há nos sonhos é que
não nos espantamos de nada.
Sonhas, por exemplo, que estás
a conversar com o tio Juca.
De repente, te lembras de
que ele já morreu. E daí? A
conversa continua.

Com toda a naturalidade.

Já imaginaste que bom
se pudesses manter essa
imperturbável
serenidade na vida
propriamente dita?”

Trecho de A vaca e o hipogrifo
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Escrever
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“Se alguém nota que
estás escrevendo bem,
toma cuidado: é caso de
desconfiares... O crime
peifeito não deixa vestígios.”

Trecho de Da preguiça como método de trabalho
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Desse modo, completa a professora, sua poesia é jovem, pois “revela a visão de mundo dos que acreditam em si mesmos e recusam idéias prontas, mesmo que venham de seus pares”.

Outro aspecto importante a analisar quando o assunto é Mario Quintana é o fato de o poeta nunca ter saído do sul e tentado se aproximar de grupos que estavam na época produzindo nos grandes centros, como Rio de Janeiro e São Paulo. Será que esta decisão marcou os rumos de sua recepção tardia? Para Regina Zilberman, a permanência do poeta em Porto Alegre não foi um fator preponderante. “Erico Veríssimo consagrou-se romancista entre 1935 e 1945 e sempre residiu no sul. Por sua vez, Augusto Meyer foi para o Rio de Janeiro e afirmou­se como crítico literário, mas deixou a poesia em segundo plano. Contudo, considerando como funciona o campo literário no Brasil, tenho a impressão de que a opção por não se filiar a um grupo, como o dos modernistas, assim como fizeram os mineiros, atrasou sua recepção”, argumenta.
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(...) O poeta Fabrício Carpinejar, autor de Meu filho, minha filha, define Quintana como um artista que reforçava a ingenuidade com o diminutivo, mas que, de ingênuo, não tinha nada – “um adulto com alma de passarinho”, que talvez tenha se escondido no bairrismo para proteger seu receio de não ser aceito nacionalmente. Na opinião de Carpinejar, a grande popularidade de Quintana vem do fato de que sua poesia é, acima de tudo, comunicativa. “Com pérolas de chistes e contra-senso, que servem para epígrafes, epítetos e agendas, tipo ‘Amar é mudar a alma de casa’, o poeta foi um observador privilegiado, que desafiava condicionamentos comportamentais. Além disso, a poesia é lavada no humor e na orfandade da infância, combinando nostalgia com uma carência charmosa. Um fascinante jogo de sedução.”
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Cláudia Nina*

[trechos extraídos da revista EntreLivros, Edição 32/Dezembro 2007, Duetto Editorial/SP, pp. 26, 27, 29, 32, 33 e 34.]

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hipogrifo [De hip(o) + grifo; fr. hippogriffe e it. ippogrifo]
Substantivo masculino
1. Animal fabuloso, monstro alado, metade cavalo, metade grifo: “Da brenha louca saíram então a correr .... mastins vários de todas as cores e feitios, e, de mistura, hipogrifos, licornes, dragões alados.” (Aquilino Ribeiro, Estrada de Santiago, pp. 312-313)
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chiste [Do esp. chiste]
Substantivo masculino.
1. Dito gracioso; facécia, piada, pilhéria, gracejo: “Graças, chistes, e facécias, que movem o riso, são para o tablado da Comédia, e não para o Púlpito” (P.e Manuel Bernardes, Os Últimos Fins do Homem, p. 376).
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epíteto [Do lat. epitheton; gr. epítheton.]
Substantivo masculino.
1. Palavra ou frase que qualifica pessoa ou coisa.
2. V. cognome: “Os calvinistas atraídos ao seio da sua tirania [de Villegagnon] na América, puseram-lhe o infame epíteto de Caim, para significar que assassinou os seus irmãos.” (João Ribeiro, História do Brasil, p. 114.)
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Capa: Ilustração de Cárcamo
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* Cláudia Nina é crítica literária, jornalista e professora de Teoria Literária. Ex-editora do caderno Idéias & Livros, do Jornal do Brasil, escreve para a revista EntreLivros e para o caderno Prosa & Verso, do jornal O Globo. É doutora em Letras pela Universidade de Utrecht, na Holanda, onde defendeu a tese Exilic/nomadic itineraries in Clarice Lispector's works, que, no Brasil, foi publicada com o título de A palavra usurpada - Exílio e nomadismo na obra de Clarice Lispector, pela EDIPUCRS. Na PUC-Rio, na disciplina Jornalismo Literário, ministrou o curso Suplementos literários - como escrever e editá-los', que foi a base deste livro. Foi também editora do site Traça On-line, de crítica literária, montado com base no curso de edição dos suplementos. Em 2003, ganhou a bolsa Prodoc da Capes com um projeto intitulado Crítica literária em uma perspectiva histórica. Cláudia nasceu no Rio de Janeiro. Sua mais recente pesquisa é sobre a literatura contemporânea e a obra de alguns dos autores mais significativos da atualidade.


Comments:
adoro o Quintana!
que belo texto este, muito bom.
aqui em porto alegre, temos uma casa de cultura que leva o seu nome, muito bonita, onde gosto muito de ir ;)
beijos
 
Grazi,

Também gosto muito de Mario Quintana e achei, como você, o texto muito bom (assim como as citações), por isso o transcrevi.

Qdo for a Porto Alegre, um dia, visitarei a casa de cultura que leva seu nome.

bjo,
Clé
 
Clélia

Saudade de ti!

Adoro o Quintana! Numa hora dessas eu queria saber expressar o que sinto.

Bjim.
 
Saudade sua tb, Rosa...

Já expressou!

bjo,
Clé
 
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