quarta-feira, dezembro 19, 2007

 

Beatriz


Ilustração: Naum Alves de Souza

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Fuçando mais um pouco no site do Chico, encontrei algumas notas sobre a música Beatriz (dele e Edu Lobo), composta pro balé “
O grande circo místico”, em 1982. Transcrevo as notas (que trazem curiosidades) e deixo algumas versões desta linda canção:
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Nota sobre "Beatriz"
Entrevista para a Revista Nossa América

Chico - E só tem graça aceitar uma encomenda quando você pode ser infiel ao que foi encomendado, quando você pode tomar certas liberdades. Quando eu estava fazendo as letras para as músicas de Edu Lobo, no balé O grande circo místico, havia um tema para a equilibrista que eu não conseguia solucionar. No poema de Jorge de Lima, a equilibrista se chamava Agnes, que, aliás, é um belo nome, mas a letra não saía. Então troquei Agnes por Beatriz, transformei a equilibrista em atriz e coloquei-a no sétimo céu, em homenagem à Beatrice Portinari, de Dante. Beatriz carregando minhas obsessões...
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Fonte: Entrevista para a Revista Nossa América, 1989 (entrevista completa)


Nota sobre "Beatriz"
Por Humberto Werneck

Depois de tanto caminho, os dois estão perfeitamente entrosados e o parceiro já não se aflige quando Chico cai no que ele chama de “estado catatônico” - os olhos arregalados para o vazio e um ar distante. São as turbinas da criação entrando em funcionamento, sabe Edu. Houve um momento assim quando trabalhavam na música Beatriz, para O grande circo místico. Subitamente Chico saiu do ar, ficou “catatônico” por uns instantes - e então disparou para casa. No dia seguinte, apareceu com a letra, na qual há requintes que ainda impressionam Edu, como a palavra chão correspondendo à nota mais grave e céu à mais aguda.

© Copyright Humberto Werneck, Gol de letras, em “Chico Buarque Letra e Música”, Cia da Letras, 1989.


Nota sobre "Beatriz"
Por Jairo Severiano & Zuza Homem de Mello

“O médico de câmara da imperatriz Teresa - Frederico Knieps / resolveu que seu filho também fosse médico / mas o rapaz fazendo relações com a equilibrista Agnes / com ela se casou, fundando a dinastia do Circo Knieps.” Com esses versos Jorge de Lima começava em 1938 o poema surrealista “O Grande Circo Místico”, inspirado num fato real ocorrido na Áustria no século XIX. Quarenta e cinco anos depois, Edu Lobo e Chico Buarque criariam a trilha musical para um bailado homônimo, baseado no poema, atendendo a uma encomenda do Balé Guaíra, do Paraná. No repertório composto, com relevantes arranjos do maestro Chiquinho de Morais, destacou-se a valsa "Beatriz", uma metáfora da vida de atriz, também surrealista e de excepcional qualidade: “Olha / será que é uma estrela / será que é mentira / será que é comédia / será que é divina / a vida da atriz...” De interpretação difícil, em razão de sua extensão vocal, dos intervalos melódicos e das modulações, "Beatriz" ganhou uma gravação definitiva de Milton Nascimento, que afirma: "'Beatriz' é minha." Edu fez a música em tempo relativamente curto, com "a certeza de que ia ficar legal", ao contrário de Chico, que demorou para completar a letra, sendo a composição uma das últimas do bailado a ser concluída. A escolha de Milton para intérprete foi resolvida de imediato pelos autores, pois somente ele, com a naturalidade de que é capaz de fazer a passagem da voz normal para o falsete, poderia gravar "Beatriz". Na hora da gravação, Milton ficou no estúdio apenas com o pianista Cristóvão Bastos e na terceira tomada cantou a versão escolhida. Posteriormente, foram acrescentadas umas pinceladas de cordas pelo arranjador Chiquinho de Morais. Sem jamais ter entrado em paradas de sucesso, "Beatriz" acumulou prestígio ao longo do tempo, impondo-se por sua beleza como um clássico da moderna música brasileira. Do começo ao fim, sua partitura tem um desenvolvimento encantador, no mesmo nível de criação dos grandes compositores de qualquer época ou país. No formato A-A-B-A, a melodia de A parte de uma célula ("será que ela é moça"), aproveitada cinco vezes em movimento harmônico ascendente, com pequenas alterações, destacando-se os acidentes na última, sobre as sílabas "rosto", do verso "o rosto da atriz". Segue-se ainda em A uma sucessão de colcheias ("se ela dança no sétimo céu"), culminando em duas notas longas (semínimas pontuadas na palavra "vida"), que funcionam como uma pausa e, na repetição de A, como preparação para a segunda parte. Em B a tonalidade sobe uma quinta aumentada, pois a modulação que vem de mi bemol passa a si natural. Neste ponto a interpretação se torna ainda mais difícil, tanto por se atingir a nota mais grave da composição, na palavra "chão" (da frase "me ensina a não andar com os pés no chão"), quanto pelos saltos melódicos, acrescidos de outros acidentes primorosamente colocados, como no verso "quantos desastres tem na minha mão". Tempos depois de a música gravada, Edu e Chico descobriram uma coincidência: a nota mais grave da canção cai na palavra "chão" e a mais aguda na palavra "céu"..

[Fonte: Livro “85 anos de Música Brasileira”, Vol. 2, 1ª edição, 1997, Editora 34.]
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Beatriz
Edu Lobo & Chico Buarque/1982

Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz
Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Olha
Será que é de louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da atriz
Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Sim, me leva para sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Ai, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz

Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da atriz
Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se um arcanjo passar o chapéu
E se eu pudesse entrar na sua vida


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Gravação antológica de Milton Nascimento (“O Grande Circo Místico” - 1983)





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Gravação de Cida Moreyra (“Cida Moreyra canta Chico Buarque” - 1993)
Piano: Gil Reyes







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Gravação de Gal Costa (S
ongbook Edu Lobo – vol. 2 - 1995)
Cellos: Jaques Morelenbaum







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Gravação de Edu Lobo & Milton Nascimento (“Meia-noite” - 1996)
Violão: Marco Pereira & Orquestra de Cordas
Arranjo & regência: Cristóvão Bastos
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Gravação de Zizi Possi (Songbook Chico Buarque – vol. 2 - 1999)
Piano & arranjo: Cristóvão Bastos
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Gravação de Zizi Possi (“Puro Prazer” - 1999)
Piano: Jether Garotti Jr.
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Gravação de Mônica Salmaso (“Noites de gala, samba na rua” - 2007)
Piano: Nelson Ayres







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Se alguém souber de mais alguma... (além da gravação da Ana Carolina, postada anteriormente)


Comments:
Eu vi, uma vez, na TV, o Edu Lobo dizer que o Chico é seu parceiro mais perfeito, pois, pelo fato de também fazer melodias, consegue entender exatamente o que se deve fazer para encaixar a letra numa canção sem que precise forçar a barra.

O Chico tem grandes melindres para modificar a melodia de um parceiro. Nunca faz isso. Às vezes, pra uma letra genial dar certo, bastaria fazer uma alteração mínima na melodia, colocar uma notinha a mais, uma semifusa que fosse. Ele nunca faz isso. Acha isso um estupro. Ele prefere ficar quebrando a cabeça, mesmo que isso signifique que a letra não fique nunca pronta.

Todas as gravações que voc6e postou são boas e eu gosto delas. A gravação do Milton, entretanto, continua imbatível.
 
Esta história do Chico é incrível, né? E, aí, vem um pessoal "muderno" e "dá nova roupagem pra música", "faz uma releitura da obra". Traduzindo: deturpa, usurpa, desrespeita a criação do autor.

O Milton é imbatível! Tem um timbre de voz inigualável. Inimitável. Inesquecível.
 
Beatriz é linda, como todas as canções do grande Chico!
Na voz do Milton é mais linda ainda! De arrepiar!
Que presente este post, maravilhoso!
Aproveito e já deixo beijos de Natal e desejos de um 2008 ainda mais cheio de amor, saúde, paz e sucesso!
beijos!
 
"Beatriz carregando minhas obsessões"

Falar de Chico é "chover no molhado". Ouvi-lo, interpretá-lo - uma riqueza. MAs confesso que não sou muito fã dele como intérprete.

Sobre Beatriz, legal mesmo conhecer mais sobre "background" de uma música como essa!

Na voz, Milton é mesmo imbatível, mas tenho um carinho especial também por Edu Lobo. Por conta de sua história na época dos festivais de música, onde ele se revelou um rapaz bilhante e talentoso, sendo disputado pelos artistas.

Imbatível também foi sua seleção, para ouvir e variar o que já é bom!

Beijos Clélia!
Bom encerramento de ano a vcs todos aí!

Se puder, por favor passe em meu blog, gostaiia de ter um comentário seu lá.

:-]
 
Sem comentários, Clélia, aqui tudo é bom!

Bosa Festas e 2008 muito feliz e inspirado.

Bjs.
 
Clélia,
Beatriz é covardia. Acho que até se for cantada por mim continua linda. Aqui no trabalho, o link está fraquinho e não estou conseguindo ouvir. Adoro a gravação do Milton, gosto de praticamente tudo que ele canta. Quando chegar em casa, em meu computador, quero ouvir a Mônica Salmaso. Gosto demais da voz dela.
Deixo com você meus melhores votos.
Beijão
 
A sutileza de que gosto nessa música é a combinação de duas palavras da letra com a melodia.

Quando a letra inclui a palavra céu, a melodia atinge sua nota mais aguda, mais alta.

E quando a letra inclui a palavra chão,a melodia expõe sua nota mais grave, mais baixa.

Despenca do céu ao chão... Incrível, essa sutileza. E Milton! Sempre Milton!!
 
Grazi

Sempre que posto alguma coisa do Chico, lembro-me logo de você e de minha sobrinha Bartira, também aficionada por ele!

Faço meus os seus desejos pra 2008! E que a gente continue se encontrando na blogosfera...

bjos,
Clé

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Eli

Beatriz carregando minhas obsessões... Também adorei esta colocação do Chico!

Há certos compositores que deixei de implicar com a voz, qdo interpretam: Eduardo Gudin, Aldir Blanc, Guinga, Tom e o próprio Chico. Não qu'ele cante mal, mas sua voz pequena denota, às vezes, grande esforço ao ser emitida...

Adoro o Edu Lobo, suas composições e sua voz. Discreto, elegante, contido.

Ótimo final de ano pra você também!
A Bá passou o Natal aqui, com a gente...

Darei um pulo no seu blog, sim. Deixarei um comentário.

bjo,
Clé

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Rosa

Felicidade & inspiração pra você também, no novo ano, querida!

bjão,
Clé

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Lord

Cantas tão mal assim?!? Espero que tenha conseguido ouvir a Mônica Salmaso. Também gosto muito da voz dela e do seu jeito de interpretar as canções. Ela tem uma delicadeza, uma sensibilidade...

Meus melhores votos pra você!

bjão,
Clé

* * *

Diego

Com esta combinação (Chico & Edu) não daria pra sair nada diferente disso: genialidade! (tanto na letra qto na melodia) Pra finalizar: a interpretação do Milton! Covardia pura.

Qdo é que vocês vêm pra Sampa? Estamos aguardando...

bjo,
Clé
 
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