domingo, dezembro 30, 2007
É sempre bom lembrar...
“Chico Buarque estava sendo hipercensurado naquele momento, e quis responder a isso fazendo um disco só com músicas de colegas. Por isso pediu a Paulinho da Viola, a Caetano, a mim e a outros que compusessem para ele.
Eu estava em casa, sentado no sofá, já de madrugada. Tinha tomado um copo de vinho no jantar, e o copo tinha ficado na mesa. Pensando no que é que eu ia fazer pro Chico, eu de repente vi o copo vazio e concentrei o olhar nele para dali extrair emanações de imagens e significados, a princípio como se para nada obter, mas logo constatando: ‘O copo está vazio, mas tem ar dentro’. Disso me vieram idéias acerca das camadas de solidificação e rarefação que vão se sucedendo nas coisas – e disso, a música.
A letra faz uma viagem ao mundo das coisas sutis, transcendentes, mas suas primeiras frases são muito significativas em termos do que estava acontecendo: regime de exceção, censura, o Chico privado de sua liberdade artística plena etc. Embora não fosse essa a intenção principal, as dificuldades da situação contingencial estavam necessariamente metaforizadas, e qualquer crítica à canção em termos de fuga da realidade esbarraria no fato de que, ao contrário, a letra parte da realidade e não foge dela; foge com ela, se for o caso...”[texto extraído do livro “Gilberto Gil: Todas as Letras” – Organização Carlos Rennó, Cia das Letras, 1996, p. 157.]
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Copo vazio
Gilberto Gil
1974
É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar
É sempre bom lembrar
Que o ar sombrio de um rosto
Está cheio de um ar vazio
Vazio daquilo que no ar do copo
Ocupa um lugar
É sempre bom lembrar
Guardar de cor
Que o ar vazio de um rosto sombrio
Está cheio de dor
É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar
Que o ar no copo ocupa o lugar do vinho
Que o vinho busca ocupar o lugar da dor
Que a dor ocupa a metade da verdade
A verdadeira natureza interior
Uma metade cheia, uma metade vazia
Uma metade tristeza, uma metade alegria
A magia da verdade inteira, todo poderoso amor
A magia da verdade inteira, todo poderoso amor
É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar.
Pra driblar a censura, aliás, ele colocou duas músicas de Julinho da Adelaide e Leonel Paiva, autores que ele inventou e manteve a história por muito tempo. Houve, inclusive, uma entrevista histórica, feita no rádio, pelo Mário Prata com o Julinho. Os anos de chumbo foram brabos mas ainda assim algumas pessoas encontraram espaço pra fazer algumas molecagens.
"A TV Record realizou quatro edições do Festival da Música Popular Brasileira (FMPB), organizado por Solano Ribeiro, de 1966 a 1969. (...) 1969: V Festival da Música Popular Brasileira. Realizado no Teatro Record (SP). 1º lugar: "Sinal fechado" (Paulinho da Viola), com Paulinho da Viola, (...)" [extraído do Dicionário Cravo Albin da MPB]
O Chico gravou músicas de outros autores, mas não necessariamente inéditas ou compostas praquele disco. A do Gil, sim, foi.
1. Festa imodesta (Caetano Veloso)
2. Copo vazio (Gilberto Gil)
3. Filosofia (Noel Rosa)
4. O filho que eu quero ter (Toquinho & Vinicius de Moraes)
5. Cuidado com a outra (Augusto Tomáz Júnior & Nelson Cavaquinho)
6. Lágrima (José Garcia, Sebastião Nunes & José Gome Filho)
7. Acorda amor (Leonel Paiva & Julinho da Adelaide)
8. Lígia (Tom Jobim)
9. Sem compromisso (Nelson Trigueiro & Geraldo Pereira)
10. Você não sabe amar (Carlos Guinle, Hugo Lima & Dorival Caymmi)
11. Me deixe mudo (Walter Franco)
12. Sinal Fechado (Paulinho da Viola)
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