domingo, dezembro 30, 2007

 

É sempre bom lembrar...


.
No livro “Todas as letras”, Gil comenta algumas de suas composições. Dentre elas, “Copo vazio”, gravada pelo Chico, no disco “Sinal fechado” (1974); por ele, no CD “Gil luminoso – Voz & violão” (1999), e por Zizi Possi, acompanhada ao violão de Hélio Delmiro, no 3° volume do seu songbook (2004). Ficam, aqui, as três versões, além do comentário:

Chico Buarque estava sendo hipercensurado naquele momento, e quis responder a isso fazendo um disco só com músicas de colegas. Por isso pediu a Paulinho da Viola, a Caetano, a mim e a outros que compusessem para ele.

Eu estava em casa, sentado no sofá, já de madrugada. Tinha tomado um copo de vinho no jantar, e o copo tinha ficado na mesa. Pensando no que é que eu ia fazer pro Chico, eu de repente vi o copo vazio e concentrei o olhar nele para dali extrair emanações de imagens e significados, a princípio como se para nada obter, mas logo constatando: ‘O copo está vazio, mas tem ar dentro’. Disso me vieram idéias acerca das camadas de solidificação e rarefação que vão se sucedendo nas coisas – e disso, a música.

A letra faz uma viagem ao mundo das coisas sutis, transcendentes, mas suas primeiras frases são muito significativas em termos do que estava acontecendo: regime de exceção, censura, o Chico privado de sua liberdade artística plena etc. Embora não fosse essa a intenção principal, as dificuldades da situação contingencial estavam necessariamente metaforizadas, e qualquer crítica à canção em termos de fuga da realidade esbarraria no fato de que, ao contrário, a letra parte da realidade e não foge dela; foge com ela, se for o caso...

[texto extraído do livro “Gilberto Gil: Todas as Letras” – Organização Carlos Rennó, Cia das Letras, 1996, p. 157.]
.
Copo vazio
Gilberto Gil
1974


É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar

É sempre bom lembrar
Que o ar sombrio de um rosto
Está cheio de um ar vazio
Vazio daquilo que no ar do copo
Ocupa um lugar

É sempre bom lembrar
Guardar de cor
Que o ar vazio de um rosto sombrio
Está cheio de dor

É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar

Que o ar no copo ocupa o lugar do vinho
Que o vinho busca ocupar o lugar da dor
Que a dor ocupa a metade da verdade
A verdadeira natureza interior
Uma metade cheia, uma metade vazia
Uma metade tristeza, uma metade alegria
A magia da verdade inteira, todo poderoso amor
A magia da verdade inteira, todo poderoso amor

É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar

.

.
.


Comments:
O comentário do Gil, sobre o disco Sinal fechado, não reflete "exatamente" a realidade. De fato, muito bem marcado pela censura, tudo que o Chico compunha era implacavelmente recusado. Por isso, ele resolveu lançar um disco só com músicas de outros autores, mas nem todas foram compostas para o disco. A do Paulinho, por exemplo, já tinha participado de um festival em 69.

Pra driblar a censura, aliás, ele colocou duas músicas de Julinho da Adelaide e Leonel Paiva, autores que ele inventou e manteve a história por muito tempo. Houve, inclusive, uma entrevista histórica, feita no rádio, pelo Mário Prata com o Julinho. Os anos de chumbo foram brabos mas ainda assim algumas pessoas encontraram espaço pra fazer algumas molecagens.
 
Isso mesmo. Pesquisando na Internet, encontrei:

"A TV Record realizou quatro edições do Festival da Música Popular Brasileira (FMPB), organizado por Solano Ribeiro, de 1966 a 1969. (...) 1969: V Festival da Música Popular Brasileira. Realizado no Teatro Record (SP). 1º lugar: "Sinal fechado" (Paulinho da Viola), com Paulinho da Viola, (...)" [extraído do Dicionário Cravo Albin da MPB]

O Chico gravou músicas de outros autores, mas não necessariamente inéditas ou compostas praquele disco. A do Gil, sim, foi.
 
Na verdade, o disco traz apenas 1 composição de Julinho da Adelaide & Leonel Paiva: "Acorda amor".

1. Festa imodesta (Caetano Veloso)

2. Copo vazio (Gilberto Gil)

3. Filosofia (Noel Rosa)

4. O filho que eu quero ter (Toquinho & Vinicius de Moraes)

5. Cuidado com a outra (Augusto Tomáz Júnior & Nelson Cavaquinho)

6. Lágrima (José Garcia, Sebastião Nunes & José Gome Filho)

7. Acorda amor (Leonel Paiva & Julinho da Adelaide)

8. Lígia (Tom Jobim)

9. Sem compromisso (Nelson Trigueiro & Geraldo Pereira)

10. Você não sabe amar (Carlos Guinle, Hugo Lima & Dorival Caymmi)

11. Me deixe mudo (Walter Franco)

12. Sinal Fechado (Paulinho da Viola)
 
Postar um comentário



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?