sexta-feira, novembro 23, 2007

 

Caymmi, Amado & Carybé (3 irmãos de esteira)



No CD Caymmi Inédito (1984), a voz de Dorival Caymmi é intercalada por depoimentos de Jorge Amado, Carybé, Tom Jobim & Caetano Veloso. Aqui estão 2 deles:
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“Caymmi representa um dos momentos mais altos da criação brasileira e da criação baiana, em particular. Quer dizer, a poesia mais profunda da vida baiana, do povo baiano, não é? Caymmi é uma flor nascida lá em cima que desabrocha de toda esta terra trabalhada, da cultura popular adubada com suor, com sangue, com sonho, com esperança, com todas as dificuldades possíveis que o homem encontra, com todo a magia, e que de repente produz uma flor de cultura, uma coisa esplêndida, única, luminosa, que é a obra de Caymmi, desse poeta extraordinário.”
JORGE AMADO




“O Axé de Opô Afojá, Candomblé de Mamãe Senhora, uniu três pessoas que hoje em dia são três irmãos de esteira – cada um tem uma esteira. Agora, um é Obá Onikoyi, outro é Obá Olorum e o outro é Obá Onoxocum. Em português, seria Dorival Caymmi, Jorge Amado e Carybé. Os três irmãos de esteira. E, aí nos unem laços assim secretos e misteriosos... né? Agora, na vida comum, eu acho que ele é fabuloso. Agora, ele tem uma coisa contra que não consegue fazer os coisas por causa da preguiça, porque o grande inimigo dele é a preguiça, ou amigo, deve ser amigo, mais do que inimigo, porque não há dúvida que preguiça é uma coisa gostosa, né? Com bicho-do-pé, se tiver, ainda melhor. Ele fica lá naquele Rio dos Ostras, comendo ostra, tocando violão, limpando garrucha, punhais, colecionando bengalas... né? Então ele vai levando a vida assim... Pinta um quadrinho, e tal, todos eles são bons, menos o meu retrato, porque o meu retrato é o Retrato de Dorian Gray, que ele vai pegando, assim, cada dois anos, três anos, um ano e meio, né, então, mudo... De repente eu estou mais mocinho, daqui o pouco ele faz um coroco, né? E, enfim, é isso.”

CARYBÉ


preguiça [Do lat. pigritia]
Substantivo feminino.
1. Aversão ao trabalho; negligência, indolência, mandriice.
2. Morosidade, lentidão, pachorra, moleza.
3. A corda dos guindastes.
4. Pau a que estão pregadas as cangalhas da canoura.
5. Bras. Zool. Designação comum aos mamíferos desdentados, bradipodídeos, arborícolas, de pelagem muito densa e longa, membros muito desenvolvidos e cauda rudimentar, assim chamados pela notável lentidão de seus movimentos. Entre os seus pêlos vivem carrapatos e microlepidópteros ou traças. [Sinônimo, nesta acepção: aí, aígue e (PA e MG) cabeluda.]
6. Bras. Zool. V. urutau.




Encontrei, no livro de letras e partituras de Dorival Caymmi, “Cancioneiro da Bahia” [editora Record], este prefácio escrito por Jorge Amado:
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Obá Onikoyi

Jorge Amado


Poeta, compositor e cantor, Dorival Caymmi é hoje a figura principal da música popular brasileira, pode-se dizer que ele é o próprio povo do Brasil em sua voz mais pura, em sua melodia mais profunda e eterna. Diante do baiano inclinam-se respeitosamente os demais mestres de nossa música, de Antônio Carlos Jobim a Vinicius de Morais, de João Gilberto a Paulinho da Viola, de Caetano Veloso a Gilberto Gil, os mais velhos e os mais jovens, os da bossa nova, os do sambão, todos quantos compõem, gravam e cantam.

Dorival Caymmi ultrapassa os sessenta anos de idade cercado pela admiração dos intelectuais e pelo amor do povo. Trazendo nas veias sangue negro e sangue italiano, nascido à beira do mar da Bahia – a Bahia é a célula máter do Brasil, onde a mestiçagem determinou e determina as linhas mestras da cultura nacional –, fez-se o intérprete da vida popular, o bardo cantor das graças, do drama e do mistério da terra e do homem baiano. Ainda adolescente viveu com intensidade, nas ruas, nas ladeiras, nos becos da urbe mágica, a aventura de um povo capaz de sobreviver e ir adiante nas mais duras condições de existência, sobrepondo-se à miséria e à opressão para rir, cantar e bailar, superando a morte para criar a festa. Apoderou-se do drama, da emoção e da magia da cidade sem igual, do povo que liquidou todos os preconceitos e fez da mistura de sangues e raças sua filosofia de vida. Nessa cidade e nesse povo, Caymmi tem plantadas as raízes de sua criação, a precisa realidade, tantas vezes cruel, e a mágica invenção.

Não por acaso ele é um dos doze obás da Bahia, DorivaI Caymmi Obá Onikoyi. Obá significa mestre, ministro, chefe, é o mais alto título, o posto civil mais eminente na hierarquia do candomblé, das religiões afro-brasileiras. Obá de Xangô, no Axé do Opô Afonjá, consagrado de Oxalá, compôs ultimamente uma Oração para Mãe Menininha, canto de amor à mais famosa e venerável mãe-de-santo dos terreiros baianos, Mãe Menininha do Gantois, que é, sem dúvida, a canção mais cantada no Brasil nos últimos anos. Toda a obra musical de Caymmi nutre-se de um conhecimento total da vida popular, conhecimento vivido, pois o poeta não é senão o povo no momento supremo da criação.

Uma família de músicos. A esposa de Caymmi, minha afilhada Adelaide Tostes Caymmi, é a mesma Stella Maris que cantava blues ao micrô das estações de rádio quando, nos idos da década de 30, conheceu o jovem compositor recém-desembarcado no Rio de Janeiro. Do casamento feliz nasceram uma filha e dois filhos. A filha, Nana, é cantora, herdou a maravilhosa voz do pai. Dory, o filho mais velho, é compositor, orquestrador, regente, músico dos mais sérios e respeitados; Danilo, o mais moço, domina uma doce flauta de sonho e suas composições revelam extraordinário talento, espantosa vocação. Não se contentou Dorival Caymmi com sua própria criação inigualável; ainda nos deu, de parceria com Stella, o poema e o canto dos filhos.

Os orixás da Bahia possuem seus favoritos, para eles reservam o dom da criação e a grandeza. Assim aconteceu com o moço Dorival Caymmi. Os orixás cumularam de talento e dignidade esse filho da grande mistura de raças que nas terras brasileiras se processou e se processa, criando uma cultura e uma civilização mestiças que são nossa contribuição para o tesouro do humanismo. Baiano de picardia e invenção, Dorival Caymmi povoou o Brasil de ritmos e de beleza.

[extraído do livro “Dorival Caymmi – Cancioneiro da Bahia”, pp. 5, 6]

mater [Lat., ‘mãe’]
Substantivo feminino
1. Aquela a quem é socialmente atribuído o papel de mãe; mãe social.

bardo 1 [Do celta, pelo lat. bardu]
Substantivo masculino
1. Poeta heróico, entre os celtas e gálios.
2. Trovador; vate, poeta: “Leva-to [o teu nome] além das passadouras eras / Do bardo misterioso o eterno canto” (Almeida Garrett, Camões, p. 113).

bardo 2 [Var. de barda]
Substantivo masculino
1. Cerca de silvado; barda.

urbe [Do lat. urbe]
Substantivo feminino
1. Cidade (1): “Nada se respeitou até agora [na cidade do Rio]. Nenhuma preservação de elementos tradicionais, nenhuma defesa dos valores históricos da urbe.” (Brito Broca, Horas de Leitura, pp. 150-151.)
[Plural: urbes]

picardia [Do esp. picardía]
Substantivo feminino
1. Ação de pícaro.
2. Pirraça, partida.
3. Desfeita, desconsideração.

pícaro [Do esp. pícaro]
Adjetivo
1. Ardiloso, astuto, velhaco, patife, vigarista.
2. Fino, esperto, sagaz.
3. Ver picaresco (1).
Substantivo masculino.
4. Indivíduo pícaro: “Quantos bêbados, vagabundos, jogadores, jactanciosos, pícaros, velhacos, libertinos, .... o são pela inferioridade mórbida do caráter, pela degeneração psíquica que lhes vieram do berço, e se incrementaram com a má educação!” (A. Austregésilo, Obras Completas, I, p. 392.)
5. Liter. Tipo de personagem travessa, bufona, ardilosa, que vive de expedientes, a expensas das várias classes da sociedade. [Feminino: pícara]


Oração de Mãe Menininha
Dorival Caymmi

Ai, minha mãe
Minha Mãe Menininha
Ai, minha mãe
Menininha do Gantois

[bis]

A estrela mais linda, hein?
Tá no Gantois
E o sol mais brilhante, hein?
Tá no Gantois
A beleza do mundo, hein?
Tá no Gantois
E a mão da doçura, hein?
Tá no Gantois
O consolo da gente, ai!
Tá no Gantois
E a oxum mais bonita, hein?
Tá no Gantois

Olorum quem mandou
Essa filha de Oxum
Tomar conta da gente
De tudo cuidar
Olorum quem mandô-ê-ô
Ora, iê - iê - ô...



Quando se comemorou na Bahia o cinqüentenário de mãe­-de-santo da venerável Menininha do Gantois, numa festa que congregou todo o povo baiano, fiz parte da comissão promotora dos festejos, ao lado de Carybé, Jorge Amado, Pierre Verger, James Amado e Mário Cravo. Compus então a "Oração de Mãe Menininha", minha homenagem àquela que é a mais doce e bela rainha da Bahia, a que zela pelos orixás e pelo povo baiano com dedicação exemplar.

[extraído do livro “Dorival Caymmi – Cancioneiro da Bahia”, pp. 144, 145]



Comments:
A familia toda hiper musical, isso é demais mesmo...;0)
 
Clélia

Vim correndo dizer que tem um trevo da sorte pra ti. Mais tarde volto pra ler com calma o teu post.

Bjs.
 
Já fui lá ver, Rosa. Adorei!
Volte, sim...
bjo,
Clé
 
Simplesmente, genial!
Bjs.
 
Oi, Thelma, surpresa boa te ver por aqui!

Soube que você está (ou esteve?) no Brasil, e que sua chegada foi um tanto tumultuada, por conta de um assalto, na saída do aeroporto de Recife, não foi? Fiquei impressionada e chateada com seu relato, no blog, pois sei que perdeu livros, máquina fotográfica, celulares, documentos e papéis importantes.

Apareça mais no Achados...

Bjo,
Clélia
 
Que beleza! Não sabia que os três eram Obás! O Brasil é mesmo mágico!
 
Mágico & místico. Miscigenado & ecumênico. Diversificado. Por isso mesmo, rico!

bjão, Bruno,
Clé
 
ai, meu deus!!! lindo!!! amei teu blog!
adoro dori, jobim, vinícius... todos! parabéns por tanta beleza no teu cantinho....

o pescador tem dois amor, um bem de terra, um bem do mar....

beijos!!
 
Obrigada, Lorena, por sua visita!

Como você chegou até aqui?

Também adoro esta canção:

O Bem do Mar
Dorival Caymmi


O pescador tem dois amor
Um bem na terra, um bem no mar

O bem de terra é aquela que fica
Na beira da praia quando a gente sai
O bem de terra é aquela que chora
Mas faz que não chora quando a gente sai
O bem do mar é o mar, é o mar
Que carrega com a gente
Pra gente pescar

Irei postá-la.

bjo,
Clélia
 
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