sexta-feira, outubro 26, 2007

 

Zélia Gattai (III)


Iemanjá
Ilustração de Eugenia Iturria
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PROCISSÃO NO MAR DO RIO VERMELHO

De um velho pescador, ouvi, em tempos que lá se vão, a lenda de como surgiu a festa de Iemanjá, no Rio Vermelho.

“Já faz muitos anos”, começou o velho, “nem me lembro quantos, começou a sumir os peixe das água do mar. Eu, mais meus camarada, saía de madrugada por isso tudo e nada de peixe, nem pra remédio vinha uma pititinga na rede. Os balaio voltava puro. Os peixe tinha sumido.

Um dia, tava eu aperreado olhando o mar, pensando no que fazer de minha vida, quando apareceu diante de mim, uma dona que eu nunca tinha visto, uma desconhecida. Aí ela me perguntou:

_ Por que vosmicê está tão esmorecido?

_ E não era pra estar? - respondi. - Este mar secou de peixe. Não tenho mais do que viver.

_ Vosmicê pesca aqui faz quantos anos?

_ Uma porção deles - respondi. - Desde menino. Vinha sempre com pai.

_ Vosmicê sabia que quem governa esse mar é uma sereia? O nome dela é Iemanjá e ela é a rainha do mar. Iemanjá manda nisso tudo e tudo pode. Ela só não gosta de ingratidão. Vosmicê alguma vez já deu algum presente pra ela?

_ Presente?

_ Isso mesmo. Ela dá os peixes pra vosmicês, cadê? Nada.

_ E que presente eu posso dar pra ela, dona?

_ Iemanjá é bonita e faceira. Tudo que as mulheres da terra gostam ela também gosta: espelho para ver sua formosura, perfume pra se perfumar, pente pra se pentear... Ela também gosta muito de flores pra enfeitar as águas do mar. Dê um presentinho pra ela, moço, e aconselhe seus camaradas a dar também. Ela vai ficar contente, vosmicê vai ver. Quem agrada à rainha do mar não se arrepende. É o que lhe digo.

Acreditei nos conselho da dona, que, assim como apareceu, sumiu de minhas vistas. Avisei meus companheiro e logo começamo a jogar flor no mar e tudo o que a mulher falou. A gente saía de barco, ia lá pras lonjuras, onde nós achava que era a casa dela, e toma a jogar os presente na água! Cada coisa que nós atirava a gente ia adulando: Veja lá, dona moça bonita, dona rainha do mar, dona Iemanjá, veja lá se pode dar um jeito de arranjar uns peixinho pra nós. E foi assim que daí por diante os peixe voltou a aparecer.”

Segundo o pescador, a notícia se espalhou, correu de boca em boca e, como era 2 de fevereiro, o dia em que a mulher surgiu para o velho, todo o povo do Rio Vermelho e também gente de longe ficou sabendo. Foi então que multidões de pessoas começaram a aparecer nessa data trazendo o seu presente a Iemanjá e fazendo seu pedido.

O velho pescador ainda tinha uma coisinha a dizer:

“Inventaram por aí, não sei se é mentira ou se é verdade, que Iemanjá só recebe presente de gente que ela gosta. Quando é de gente falsa, interesseira, que ela não gosta, ela não aceita. Fica tudo boiando, não afunda como os de seu agrado.”

Os balaios enfileirados à beira do mar, no largo de Santana, começam a ser enchidos desde a madrugada do dia 2 e a fila que se forma para chegar a eles só termina no fim da tarde, quando a brisa do mar sopra mais forte e ajuda a empurrar as embarcações carregadas de oferendas, que, em verdadeira procissão, vão se afastando da praia, mar adentro, lentamente, até se perderem no horizonte. É lá, nessas lonjuras, que os presentes são atirados à água.

O velho pescador ainda tinha o que contar. Rindo, ele acrescentou:

“Com essa maluquice que inventaram de que Iemanjá só aceita presente de quem ela gosta e que quando ela não gosta eles não afunda, ninguém nem imagina cada coisa que levam pra ela! Até máquina de costura eu já vi.”
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[texto extraído do livro “Vacina de sapo e outras lembranças”, Zélia Gattai, Editora Record, 2005, pp. 49-52]
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“Todas as lendas são assim:
Pra relembrar o que não aconteceu...”

[Lendas Brasileiras - Guinga & Aldir Blanc]
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.Dois de fevereiro
Dorival Caymmi

Dia dois de fevereiro
Dia de festa no mar
Eu quero ser o primeiro
Pra salvar Iemanjá

Escrevi um bilhete a ela
Pedindo pra ela me ajudar
Ela então me respondeu
Que eu tivesse paciência de esperar

O presente que eu mandei pra ela
De cravos e rosas vingou
_ Chegou! Chegou! Chegou!
Afinal que o dia dela chegou!




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A Praia do Rio Vermelho está situada no bairro do mesmo nome, distante cerca de 8 km do centro da cidade. Antigamente, um dos costumes mais cultivados pelas famílias de Salvador era o veraneio, sendo a Praia do Rio Vermelho a localidade preferida. [...]

Na Praia do Rio Vermelho é onde acontece todo o ano a tradicional festa de Iemanjá, dia 2 de fevereiro, quando filhas e mães de santo, babalorixás, pescadores, turistas e curiosos cantam e homenageiam Iemanjá, uma manifestação religiosa pública do Candomblé. As oferendas, presentes e pedidos à rainha do mar são depositados na Casa de Iemanjá e guardados em balaios que, no final da tarde, acompanham o presente principal (oferecido pela comunidade dos pescadores) jogado ao mar por um cortejo de centenas de embarcações.

A Praia do Rio Vermelho é porto de barcos de pesca e canoas. É comum encontrar-se, logo de manhã cedo ou no final de tarde, pescadores retornando com os frutos de mais um dia de trabalho. [...]

Fonte: http://www.emtursa.ba.gov.br/Template.asp?IdEntidade=3868&Nivel=0002000500010009
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veraneio [Dev. de veranear]
Substantivo masculino
1. Ato de veranear.

veranear [De verão + -ear, seg. o padrão erudito]
Verbo intransitivo.
1. Passar o verão: Toda a família foi veranear em Teresópolis.
2. Passar fora o verão: Todos os anos veraneia. [Conjug.: v. frear.]
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Obs.: Este é o meu 100°post!


Comments:
O bairro do Rio Vermelho é onde eu fico hospedado quando vou a Salvador, no hotel Ibis ou Mercure. É no Rio Vermelho que eu como o melhor acarajé da Bahia, na barraca da Cira. Nunca estive lá num 2 de fevereiro!
 
Quero experimentar, um dia, o acarajé da Cira. Me leva?
 
Clélia, nesses últimos dois anos não fui para o Rio, onde sempre passei o ano novo: o que mais sinto falta é disso, das deliciosas macumbinhas à beira mar.;0)
 
Não gosto de alvoroço, multidões. Fujo disso, Vivien.

Mas a festa deve ser bonita, alegre, cheia de fé & esperança!

bjo,
Clé
 
Parabéns pelo 100º post!!!

Hoje consegui ler tudo. Como sempre o que escreves é muito bom.
Deve ser muito bonita a festa de Iemanjá,gostaria de ver.

Bjs.
 
'brigadão, Rosa!

Que bom que pôde ler tudo!

bjão pro'cê,
Clé

PS: E o teu braço/ombro, como está? Farei + 10 sessões de fisioterapia, pra fortalecer a musculatura do braço, e terei alta médica. Estou ótima! Sem dores +...
 
Notícias do meu braço: não sinto mais as dores fortes que tinha, só se faço algum esforço, como as 18 latas de leite condensado de negrinhos que fiz pra festa das crianças. No mais tenho feito de tudo, inclusive pegar a neta no colo. Não fiz a cirurgia com medo do 'depois', isto é, depender das pessoas, principalmente pq minha filha não poderia me ajudar. Mas meu homeopata garante que com o aumento progressivo da potência do meu medicamento não será preciso fazer cirurgia. Tô pagando pra ver.

Obrigada pela atenção.
Bjão.
 
Você também abusa, né, Rosa?!?!? 18 latas de leite condensado!!! Não tinha ninguém pra abri-las pra você? Espero qu'ele esteja certo. Estimo melhoras!

bjão,
Clé
 
Clélia,
Anarquista graças a Deus, foi um sonho. Zélia Gattai sabe conquistar
o leitor. Lembranças trabalhadas,
amadurecidas, sem prejuízo, ao presente e futuro.
Vive e viveu de forma gloriosa, rodeada de pessoas da mais alta capacidade, talento e cultura.
Tiro o chapéu para essa mulher, que conseguiu o seu espaço...não viveu a sombra do talento do marido
famoso.
Bela homenagem.
Bjs
 
Oi, Maria Helena, valeu sua visita!
Também admiro a Zélia e gosto muito da sua escrita. (não era pra rimar, mas rimou)
bjo,
Clélia
 
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