sexta-feira, fevereiro 16, 2007
Meu poeta
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Paulo César Pinheiro, poeta e letrista de mão cheia! Aquele que conhece muito bem nossa língua, que não usa rimas óbvias, fáceis. Dele & com ele, meu poema preferido:
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INFÂNCIA
Paulo César Pinheiro
Ali depois do vau da pedra preta,
De quando meu avô pescava ainda,
Foi sempre o canto de praia mais linda
Do mar mais sossegado do planeta.
Pois em féria escolar, pra lá que eu ia.
Parava a condução na Encruzilhada,
E a pé a gente andava pra Enseada
Com o coração pulando de alegria.
A estrada era de mato e de cascalho.
As casas de sapê, bambu e barro.
E era raro ver passar um carro
Cruzando o lavrador que ia ao trabalho.
Passando o campo, o mangue, o bambuzal,
E aquela curva de meia-ladeira,
Ao se chegar na Ponta-da-Aroeira
Já se avistava todo o litoral.
A Enseada mesmo, o centro do lugar,
Era um pedaço só (seu coração)
Que ia de aquém do pé de fruta-pão
A um pouco adiante do Grupo-Escolar.
Vô Jango e Vó Quinita era a família
De quem morava ali, acho, a mais velha.
Seus filhos eram Tide, Erasmo e Célia,
Mercedes, Naura, Léia e Cecília.
Dos sete filhos, lá ficaram três.
Dois deles meus padrinhos, e Mercedes.
Minha mãe e Léia ao Rio vieram cedo
E Tide e Naura estão em Angra dos Reis.
Gostava de ficar na casa antiga
De quando meu avô teve a visão.
Na frente tinha até caramanchão,
E atrás o rancho, o mar e a brisa amiga.
De um lado (e um bom pedaço) o lodaçal
E do outro um riachinho que corria.
De lá do alto do morro ele descia
Entrando o mar na Ponta-do-Peral.
Ali é que era perigoso o mar.
Ninguém mais mergulhou daquele lado
Depois que Elírio morrera afogado,
(Um primo meu que viera passear).
A vida nesse tempo era assim:
Cedinho tirar leite no curral,
Depois café-de-cana matinal
Com fruta-pão, inhame, angu e aipim.
E após levar o gado para o pasto
Era ir pros pés-de-fruta ou cavalgar,
Ou mergulhar das pedras, ou puxar
Com os pescadores as redes-de-arrasto.
Às quatro da manhã meu avô saía.
E quando ele apontava no horizonte,
Entre tanta canoa (minha mãe que o conte)
A dele minha avó sempre sabia.
Ao meio-dia o almoço sobre a mesa.
Feijão, marisco-e-arroz, uma tainha,
Um bom caldo-de-peixe com farinha,
E miolo-e-água-de-coco à sobremesa.
À tarde meu avô ia fiar
As redes, e eu deitava na canoa.
Adormecia ouvindo história boa
Com o vento bom e o som da água-do-mar.
E antes um pouquinho do sol pôr
Tomava um banho bom de cachoeira
Com os pássaros roçando a cabeleira
E a chuva em mim de pétalas-de-flor.
De noite era a varanda e o lampião
Depois de banho e janta. E meus avós
Juntando os netos todos, todos nós,
Contavam casos de assombração.
E lá foi que eu senti de madrugada
Aos treze anos, com a alma inquieta
A sensação de me sagrar poeta.
Maior eu nunca mais senti mais nada.
Agora já acabou tudo que havia.
Já tem asfalto e luz. Virou cidade.
Esse lugar que eu vi é uma saudade.
E a infância que eu vivi uma poesia.
[extraído do livro "Viola Morena", de Paulo César Pinheiro]
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vau 1 [Do lat. vadu.]
S. m.
1. Trecho raso do rio ou do mar, onde se pode transitar a pé ou a cavalo.
2. V. baixio (1).
3. Constr. Nav. Cada uma das vergônteas que servem de suporte ao cesto de gávea.
4. Constr. Nav. Cada uma das vigas de madeira ou dos perfilados de ferro ou de aço dispostos transversalmente ao plano diametral da embarcação e que ligam os diversos pares de balizas que se defrontam num e noutro bordo, e sobre os quais assenta o tabuado ou o chapeamento dos pavimentos.
5. Fig. Ensejo, oportunidade, azo.
Vau de cauda Bras. GO
1. Passagem do rio em que as águas só chegam à cauda do animal, ou até à barriga.
Vau de orelha Bras. GO
1. Passagem do rio que só pode ser atravessada com o animal a nado.
Errar o vau Bras. S.
1. Errar o pealo (2).
vau 2
[Do hebr. vav, 'prego, gancho', pelo gr. baû.]
S. m.
1. Nome antigo da letra V.
Agora, uma linda canção, composta em parceria com Gudin, na voz de Márcia, no CD Tudo o que mais nos uniu:
Velho casarão
Eduardo Gudin & Paulo César Pinheiro
Velho casarão, meu quarto antigo,
Meu porão, meu velho abrigo
Mora a solidão comigo
E lá no jardim, na cama verde
Do capim a nossa sede
De meninos descobrindo o amor
Os doze anos dos dois pelo chão
E os nossos planos casarmos depois
Era bonito
Mas um dia ele não voltou
Esperei um mês ou mais
Pela primeira vez fui poeta
E, hoje, o casarão é onde eu moro
E o porão é onde eu choro
Minhas mágoas mais sentidas
E lá no jardim, na mesma cama
Do capim, o mesmo drama de menino
Que não passa nunca mais
Nunca mais
Links:
http://www.releituras.com/pcpinheiro_menu.asp
http://www.mpbnet.com.br/musicos/paulo.cesar.pinheiro/index.html
http://www.interligar.com.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?UserActiveTemplate=_templateRMB&infoid=134&sid=5
Gosto muito do Paulo César. Fiz esse curso de choro da escola portatil, e vi ao vivo dois grandes poetas que lá estavam. O primeiro foi o Herminio Belo de Carvalho, e o segundo foi o Paulo César Pinheiro. Lógico que eu fui pedir um autografo e uma foto. Foi quando me veio um nó na garganta , e comecei a chorar de emoção em frente ao Paulo. Vou te mandar essas fotos e tentar conter uma lágrima que cai ao ler os escritos desse grande poeta...
Bjs Anderson Alves
Tb fiquei emocionada ao pedir autógrafo no livro de poemas do Paulo César Pinheiro, no show comemorativo dos seus 50 anos, no SESC Pompéia, em São Paulo. Não sabia o que dizer...
Você conseguiu ouvir o poema e a música? No meu blog as caixas do GOEAR não estão aparecendo. Não sei se deu pane no som...
Também gosto de Refém da solidão, assim como de outras canções deste CD: Veneno; E lá se vão meus anéis; Mãos vazias; Mordaça... Escolhi Velho casarão por ser menos conhecida, por ter a ver com o poema Infância. Não a elegi a "preferida", mas a considero bonita também. Quem sabe eu faça um outro post, com + composições dele. Não sei se conheço esta gravação da Maria Odete(?)...
Refém da solidão
Baden Powell & Paulo César Pinheiro
Quem da solidão fez seu bem
Vai terminar seu refém
E a vida pára também
Não vai nem vem
Vira uma certa paz
Que não faz nem desfaz
Tornando as coisas banais
E o ser humano incapaz de prosseguir
Sem ter pra onde ir
Infelizmente eu nada fiz
Não fui feliz nem infeliz
Eu fui somente um aprendiz
Daquilo que eu não quis
Aprendiz de morrer
Mas pra aprender a morrer
Foi necessário viver
E eu vivi
Mas nunca descobri
Se essa vida existe
Ou essa gente é que insiste
Em dizer que é triste ou que é feliz
Vendo a vida passar
E essa vida é uma atriz
Que corta o bem na raiz
E faz do mal cicatriz
Vai ver até que essa vida é morte
E a morte é
A vida que se quer
Conseguiu ouvir o poema? Gostou?
bjo,
Clé
JC online
Publicado em 06.02.2007, às 10h24
Ondas sonoras
Trilhas da saudade
TONINHO SPESSOTO
A Som Livre coloca no mercado uma nova leva da coleção Masters, novamente organizada por Charles Gavin que, além de baterista dos Titãs, é um dos mais corretos e dedicados pesquisadores da memória musical brasileira. Desta vez, o foco são reedições de trilhas sonoras de novelas e programas musicais da TV Globo. Merecem destaque produções feitas sob encomenda.
Nos anos 70, a Globo e a Som Livre tinham por hábito encomendar trilhas completas para uma dupla de compositores, o que infelizmente foi abandonado. Hoje, os scores padecem justamente pela falta de qualidade do material selecionado, que indiretamente atende interesses das gravadoras que cedem os fonogramas.
O SEMIDEUS
Canções de Baden Powell e Paulo César Pinheiro
1973
Exibida na faixa das 20 horas, O Semideus foi escrita por Janete Clair e dirigida por Walter Avancini. À frente do elenco, Tarcisio Meira, Francisco Cuoco, Gloria Menezes e Juca de Oliveira. A trilha sonora teve canções do violonista Baden Powell, todas com letra de Paulo César Pinheiro. Entre elas, o samba Até Eu (com Maria Creuza), a marcha-rancho A Volta (Djalma Dias) e Refém da Solidão (Maria Odete). Um tema não foi escrito por Baden e Paulinho Pinheiro. Era o fado clássico Canção do Mar (Joaquim Brito/Ferrer Trindade), interpretado pela maravilhosa Amália Rodrigues.
TONINHO SPESSOTO é jornalista, radialista e produtor musical
site: http://jc.uol.com.br/2007/02/06/not_131585.php
LP Semideus
músicas de Baden Powell & Paulo César Pinheiro
Som Livre, 1973
Lado A:
1. Solidão (Canção do Mar), com Amália Rodrigues e Don Byas
2. Refém da solidão, com Maria Odette
3. Figa de guiné, com Ana Maria e Maurício
4. Despedida, com Victor Hugo
5. Destinos, com Marília Barbosa
Lado B:
1. Paciência, com Trama
2. Uma canção a mais, com Orquestra e Coro Som Livre
3. Eu não tenho ninguém, com Claudia Regina
4. Até eu, com Maria Creusa
5. A volta, com Djalma Dias
6. O semideus, com Orquestra Som Livre
site: http://www.samba-choro.com.br/s-c/tribuna/samba-choro.0403/0210.html
Não temos nem o LP, nem o CD remasterizado. Mas procurarei...
Já lhe enviei, por e-mail, as coordenadas de como inserir música no seu blog. Abra sua caixa postal...
bjo,
Clé
Toquei essa musica numa aula de encerramento de curso pré-vestibular no ano passado. Era uma aula sobre a cidade do Rio de Janeiro, assunto muito frequente nas provas por aqui.
A aula foi, também, uma despedida. Os alunos (eram uns 100 em sala) choravam muito comovidos com o término do curso. Mas muitos vieram me dizer que a música tinha detonado o choro.
É emocionante. Ouço até a exaustão!
Abraços pra você e pra Clélia.
Valeu a visita! Continue circulando por aqui e pelo Baú...
abços,
Clélia
Eu estava a uns 5 passos do Moa.
Mas já ouvi a gravação da Beth Carvalho. Outras eu não conheço. Será um prazer. Pode apostar que vou continuar passando por aqui.
Abraços!
O Moa é uma figura ótima! Tivemos a oportunidade de vê-lo/ouvi-lo (depois de muitos desencontros!), em outubro de 2005, no lançamento do livro "A suprema elegância do Samba" [Editora Pontes, 2005, 128p.], do Bruno Ribeiro, nosso querido amigo (que você também conhece), no Tonico's Boteco, em Campinas. Adoramos o show! Compramos, além do livro do Bruno, o do Moa: "Manual de sobrevivência nos butiquins mais vagabundos" [Editora: Senac Rio, 2005, 123p.]. Este título remete-nos a um samba qu'eu adoro, dele e do Aldir (conhece?):
Pra que pedir perdão?
Moacyr Luz & Aldir Blanc
Se é pra recordar dessa maneira,
Sempre causando desprazer,
Jogando fora a vida em mais uma bebedeira,
Ó, sinceramente, é preferível me esquecer
Eu te prometi mundos e fundos
Mas não queria te magoar
Eu não resisto aos botequins mais vagabundos
Mas não pretendia te envergonhar
Marquei bobeira
Vi muitas vezes o destino
Ir na direção errada
E a bondade virar completo desatino
A carícia se transformando em bofetada
Eu sou rolimã numa ladeira
Não tenho o vício da ilusão:
Hoje, eu vejo as coisas como são
Estrela é só um incêndio na solidão
Se eu feri teu sonho em pleno vôo
Pra que pedir perdão se eu não me perdôo?
PS: A gravação que o Arnaldo mais gosta, de Saudades da Guanabara é com a Leny Andrade, acompanhada, ao violão, por Romero Lubambo. Acho difícil escolher a melhor. Também gosto das gravações do Moacyr Luz e da Beth Carvalho.
PS': Linkou o meu também, mesmo estando à deriva...? Deixe só o do Arnaldo, lá. De qquer forma, valeu, Diego!
PS'': Sei que não pode ouvi-las agora, mas guarde-as...
Bjo & abço,
Clélia
Estão linkados os dois!
E estou guardando tudo.
Bjo & Abço,
Diego
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