quarta-feira, janeiro 10, 2007

 

Você, você – uma canção edipiana


"(...) Chico admitia que a música de Guinga, por ser 'difícil', era um desafio; pelo menos até finalizá-la. Certo dia recorreu à gaveta das tais fitas e encontrou várias. Escolheu, possivelmente, aquela que seu inconsciente procurava. Chico costuma escrever a letra e diz precisar estar próximo ao parceiro para aparar as arestas, distância que foi resolvida pelo telefone. Na valsa Você, você, Chico perscruta o imaginário do neto Francisco, inspirado pela noite em que sua filha Helena deixara o menino aos seus cuidados, para assistir a um show no Canecão. Com a chegada da filha para buscar o menino, o poeta se emociona ao vê-la tirar uma blusa de dentro do berço, deixada para que, durante suas horas de ausência, o pequeno pudesse sentir o cheiro da mãe. Sob medida."
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perscrutar [Do lat. perscrutare]
V. t. d.
1. Investigar minuciosamente; indagar com escrúpulo; perquirir: A polícia perscrutou a vida do suspeito; "o inseto perscruta, com inveja dos sábios, o ignorado mundo dos infinitamente pequenos" (Antônio Feliciano de Castilho, Amor e Melancolia).
2. Procurar devassar o futuro de: Os astrólogos perscrutam o homem, o mundo e seu destino.
3. Procurar conhecer; estudar, sondar, penetrar: perscrutar os mistérios da religião.
V. int.
4. Investigar, indagar com escrúpulo; esquadrinhar, perquirir: "e o homem, nu e desarmado, armava-se e vestia-se, construía o tugúrio e o palácio, a rude aldeia e Tebas de cem portas, criava a ciência, que perscruta, e a arte, que enleva" (Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas).

Trecho extraído da biografia Guinga - Os mais belos acordes do subúrbio, de Mario Marques [Editora Gryphus, 2002].

No CD
As cidades há também esta linda canção, cantada por Chico [com arranjo de Luiz Cláudio Ramos; violão de Guinga; vocal de Bia Paes Leme]. Mas a gravação de Leila Pinheiro & Guinga (ao violão), no songbook do Chico, é super especial...







Você, você
Guinga & Chico Buarque/1997


Que roupa você veste, que anéis?
Por quem você se troca?
Que bicho feroz são seus cabelos
Que à noite você solta?
De que é que você brinca?
Que horas você volta?
Seu beijo nos meus olhos, seus pés
Que o chão sequer não tocam
A seda a roçar no quarto escuro
E a réstia sob a porta
Onde é que você some?
Que horas você volta?
Quem é essa voz?
Que assombração
Seu corpo carrega?
Terá um capuz?
Será o ladrão?
Que horas você chega?
Me sopre novamente as canções
Com que você me engana
Que blusa você, com o seu cheiro
Deixou na minha cama?
Você, quando não dorme
Quem é que você chama?
Pra quem você tem olhos azuis
E com as manhãs remoça
E à noite, pra quem
Você é uma luz
Debaixo da porta?
No sonho de quem
Você vai e vem
Com os cabelos
Que você solta?
Que horas, me diga que horas, me diga
Que horas você volta?



Segue o trecho, agora mais completo, do livro:

“A admiração de Guinga por Chico Buarque sempre foi notória. Criador admirável acima do bem, incompatível com o mal, Chico é dono de uma combinação irrepreensível de casar música e letra. Para Guinga, uma perfeição.

Chico é seis anos mais velho. Como Guinga, também conviveu com Baden Powell. No começo da carreira, participou de festivais. O reconhecimento popular veio com o primeiro lugar de A Banda, interpretada por Nara Leão, no Festival de Record de 1966. Roda Viva, Carolina e Sabiá contribuíram para que seu nome crescesse no meio artístico.

Passaram décadas ouvindo falar um do outro. Efetivamente se conheceram no fim dos anos 80.

A primeira parceria demorou a acontecer. Nos anos 90, já havia enviado uma coleção de fitas com canções de vários gêneros. Até que Chico inaugurou-a com Você, Você (uma canção edipiana) incluída no disco "As Cidades", de 1998. A festejada parceria chegou a amplificar a obra de Guinga como se esperava. Isso porque foi a única canção do CD que Chico suprimiria do roteiro de sua bem-sucedida temporada no Canecão naquele ano. O cantor a não ter aprendido a tocá-la a tempo. Na série de shows de São Paulo fez nova tentativa e nada. Chico desistiu. Guinga diria a amigos que, se Chico quisesse, iria ao Canecão toda noite para tocá-la.

_ Se soubesse disso antes, ele teria se incorporado à banda na hora - disse Chico, um ano depois.

Chico admitia que a música de Guinga, por ser "difícil", era um desafio; pelo menos até finalizá-la. Certo dia recorreu à gaveta das tais fitas e encontrou várias. Escolheu, possivelmente, aquela que seu inconsciente procurava. Chico costuma escrever a letra e diz precisar estar próximo ao parceiro para aparar as arestas, distância que foi resolvida pelo telefone. Na valsa Você, Você, Chico perscruta o imaginário do neto Francisco, inspirado pela noite em que sua filha Helena deixara o menino aos seus cuidados, para assistir a um show no Canecão. Com a chegada da filha para buscar o menino, o poeta se emociona ao vê-la retirar uma blusa de dentro do berço, deixada para que, durante suas horas de ausência, o pequeno pudesse sentir o cheiro da mãe. Sob medida.

O fato, porém, é que a bela canção passou em branco para o público de Chico em meio ao restante do repertório do disco, um dos maiores sucessos de vendagem de sua carreira Diferentemente da repercussão no meio musical. que classificou a canção como "inclassificável". A MPB badalava o início de uma parceria como aquela.

Em entrevista à repórter Nana Vaz de Castro, do site de música "Cliquemusic", Guinga dizia aguardar com ansiedade as letras para as melodias que destinou a Chico. "Se ele continuar ritmo, de oito em oito anos para fazer música para mim, do jeito que já estamos numa idade avançada... só na outra encarnação", brincou, em meados de 2000.

Chico não fica em cima do muro para falar de Guinga. Acha que a sua trajetória vai se confundir com a da MPB:

- Qualquer um que se interesse por música brasileira vai passar por Guinga. O pessoal jovem presta mais atenção nele do que a minha geração. Ele é um formador de opinião musical.

Chico também incentiva Guinga a cantar. Admite que ele próprio não se considera um grande cantor e ressalta que ninguém melhor que o próprio autor conhece os caminhos harmônicos de sua música. (...)”

[extraído do livro “Guinga - Os mais belos acordes do subúrbio”, de Mario Marques, Editora Gryphus, 2002]




Obs.: O subtítulo da música Você, você (“uma canção edipiana”), faz-me dedicar este post à blogueira e recente amiga virtual, Vivien (e seu filho, Daniel), que escreveu sobre o tema, em 2 posts no seu blog (Jocasta & Édipo I e II).


Comments:
Ah, que lindo!!! obrigada, adorei!!! beijos.E sou amiga virtual e real, uai, afinal, temos a sorte de morarmos na mesma cidade e podermos papear "realmente"....rs...bj.
 
Que delicia, Clélia. Eu não conhecia a música, apesar de ser uma fã enlouquecida dele. É mesmo linda.;0)
 
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